O diretor de cinema como historiador II
Historiadores
e Cinema, Cineastas e História: o Diretor como historiador II
O
Cinema e a Literatura e o Cinema e a História há mais de um século vem
construindo olhares, dialogando saberes, criando arte. Revivendo, revisitando,
contestando, criando novos olhares, novas possibilidades de arte. É o que vem
nos propondo Sergio Rezende nestas duas semanas ao revisitar elaborando novas(?)
narrativas para fenômenos e pessoas historicamente situadas na História do
Brasil, oficial ou não, mas que marcaram seu tempo e seu lugar na vida desse
país. Mesmo atribuindo o substantivo “pessoa” sabemos que elas agiram dentro de
circunstâncias coletivas, direta e indiretamente.
As
pessoas às quais me referi acima são as mesmas que dão nomes aos filmes,
trata-se de Lamarca e Zuzu Angel (já analisada em momento anterior a este),
cujas vidas se entrelaçam movidas por interesses semelhantes e agora, temos um
episódio histórico, a guerra de Canudos, uma ofensiva do Governo da União, via
ação do Exército brasileiro, em terras brasileiras, que ocorreu no final do
século XIX, no Estado da Bahia, onde hoje se situa o município de Canudos. Outro diferencial desta película frente às duas primeiras é que o
diretor além de dialogar com a História, como ocorre com as demais, também
recorre à Literatura para produzir seu roteiro e sua obra, o filme, lançado em
1997, Guerra de Canudos.
Para
tratar do tema – episódio histórico – Rezende faz uso direto de romances(?) de
dois autores consagrados pelos trabalhos realizados sobre este mesmo episódio,
a guerra de Canudos, a saber, O Rei dos Jagunços, de Manuel Benício
e Os Sertões, de Euclides da Cunha, sendo esta segunda consagrada
como obra prima nacional e internacional como análise explicativa deste
momento/episódio da nossa história. Vale ressaltar que foi publicado um livro
sobre a produção deste filme cuja autoria esteve a cargo da esposa dele, Nilza
Rezende, no qual afirma-se que a película tem como fontes de informação os
livros citados acima.
A película
traz um diferencial, para quem conhecia a história do episódio, ao colocar como
protagonista um núcleo familiar e dentro, a filha mais velha, Luísa, assume a
liderança diegética. O diferencial, frente ao título do filme e ao conhecimento
do momento episódio, deve-se ao fato de que a guerra foi motivada pela
existência de um beato peregrino, Antonio Conselheiro que com seu séquito,
fundou uma cidade, o Belo Monte e lá construiu uma sociedade com tendências
igualitárias onde toda a produção era dividida para todos, possuindo códigos de
ética e de conduta próprios, enfim uma microssociedade brasileira alheia à
República recém instalada.
Com
a cidade se desenvolvendo sua vida diferenciada e tornando-se conhecida pelas
imediações não tão próximas assim, foi conquistando ainda mais adeptos – cuja
conhecimento advém das andanças do líder, Antonio Conselheiro – e adversários,
dentre eles, o governo baiano, inicialmente, e depois o governo federal, que começam
a agir contra aquela população. Outro grande adversário que foi sendo
construído ao longo da caminhada de A. Conselheiro foi a Igreja Católica que
perdeu adeptos e força perante a população da região frente ao carisma do
líder que segundo consta, pregava e praticava boas obras e acolhia os
necessitados, se alimentando pouco, dormindo em situações precárias, até no
chão, diferentemente da Igreja que somente exercia poder e controle sobre os
fieis e usufruía dos beneplácitos das ofertas desses mesmos fieis.
O
período histórico abordado pelo filme é de 04(quatro) anos, portanto um bom
tempo de vida para uma cidade construída à mão e em tempo também reduzido, haja
visto que a vida de peregrinação do seu líder começara no Ceará e, a pé, pelos
sertões de todos os Estados da atual região Nordeste, exceto o Maranhão, temos
praticamente uma década de vida
E
do que trata, então, a película? Partindo do próprio título Guerra de
Canudos, temos a ação do governo republicano e suas novas regras de
convivência e de subserviência, aliadas à intimidação e violência com a
investida do Exército contra o povo do Belo Monte e contra a própria
cidade, pois como vimos, ela foi incendiada, mesmo tendo sendo vencido o
conflito bélico. Internamente à ação desses atores temos outro núcleo gerador
da narrativa – a família de Zé Lucena -, citado acima, tendo como protagonista
desse núcleo o personagem Luísa. É ela quem faz o contraponto entre os
antípodas Belo Monte e Exército.
O
filme vai intercalando o conflito com a vida de Luísa: inicialmente sua fuga de
casa, em pleno momento em que A. Conselheiro e seu séquito convidam a família
dela a seguirem juntos. Em seguida sua vida de prostituta, quando começa a
analisar a nova vida que surge no sertão, ao se envolver com um barão, a ouvir
relatos de soldados, da gente do lugar e até mesmo de quem participa da guerra,
nos campos de batalha. Daí, casa-se com um soldado desertor, o que lhe dará
mais informações e experiência de vida, inclusive morando no campo de batalha.
Por fim, ao perder o marido
para a guerra, passa a conviver com um tenente, já nos momentos finais do
conflito, quando tem os últimos contato com a família – já sem o irmão – Luísa
vai entendendo que ao mesmo tempo que incompreendeu A. Conselheiro, o Exército
é exatamente o contrário do que apregoa, pois vê o atual companheiro lançar
bombas sobre as casas e também vê a própria mãe ser assassinada pelos soldados,
mesmo já sob o controle deles e com as mãos amarradas.
Desse
modo e pelo exposto acima, temos em Guerra de Canudos, de Sergio
Rezende, uma obra de cunho histórico, fez história dando destaque,
visibilidade, a um episódio histórico importante para o povo brasileiro, mas
com pouca penetração no universo escolar e cultural deste país. Por esses
motivos consideramos ser o diretor um cineasta historiador e seu filme agente histórico,
uma vez que o tema é de pouco conhecimento popular e sua produção diminui esse
fosso, em face principalmente de que sua primeira versão foi uma minissérie
televisiva, portanto de forte apelo popular. Também o consideramos uma fonte
histórica haja visto essa popularização alcançada via televisão em tempos de
informação “fast-food” (rapidez no acesso, porém com difícil ou nenhuma absorção)
por meios eletrônicos e digitais, isto é, além dos livros e artigos e outros
fontes textuais que tratam do tema, temos a Guerra de Canudos em filme, uma
opção para os novos pesquisadores.