Ao
ser apresentado a este pequeno, fecundo e fundante livro – este último adjetivo
com destaque para o autor desse texto – pelo meu querido amigo e atualmente meu
professor da disciplina Cinema e História, o Prof. dr. Hamílcar Dantas, no
Mestrado Interdisciplinar em Cinema pela Universidade Federal de Sergipe, tive
a agradável surpresa de ler um dos mais leves textos teóricos, mas sem deixar a
profundidade de análise, que une o prazer do Cinema com o vasto campo do
conhecimento histórico. O objetivo do livro é mostrar como o Cinema pode, e
deve ser considerado, fonte histórica, independentemente se a produção é um documentário
ou uma ficção.
Dividido
em 14(catorze) capítulos de tamanhos e anos de produção diferentes, Marc Ferro
vai analisando filmes históricos, sem fazer menção a este adjetivo, produzidos
na URSS (alguns na Alemanha) cujo tempo cobre 05 anos de produção entre o
primeiro, de 1971, e os últimos, de 1976. No índice, o primeiro texto está entre
os mais novos, feito para apresentar o percurso metodológico e analítico cujo
titulo é Coordenadas para uma pesquisa. Nele o autor constroi algumas
teses, apresentadas pelo seguinte trecho: Entre cinema e história, as inferências
são múltiplas, por exemplo: na confluência entre a História que se faz e a História
compreendida como relação de nosso tempo, como explicação do devir das
sociedades. Em todos esses pontos o cinema intervém.(p. 13)
Esse
trecho de abertura dá a tônica do debate e da explanação que Marc Ferro constroi
nas suas 143 páginas. Cujas teses são as seguintes:
1. O
Cinema é agente da história;
2. Com
o seu modo próprio de expressar, da narrar, o Cinema opera um impacto no espectador,
pois este tem a sensação de estar vivendo o momento histórico abordado;
3. O
Cinema é um embate entre a sociedade que o produz e a sociedade que o recebe;
4. O
Cinema produz uma leitura histórica do passado e pode confrontar a tese do
historiador.
No
que tange à ideologia predominante do Estado, às vezes o cineasta consegue ir além
da propaganda oficial e até expor lacunas desse patrão, o Estado, uma vez que
fazer cinema é fazer arte, e a subversividade é uma característica de toda e
qualquer arte.
Os filmes produzidos a favor ou contra determinado país está de acordo com o momento e, assim, ao sabor das novas relações entre os Estados Nacionais, isto é, podemos assistir a filmes com visões diferentes sobre um mesmo país, feitos em momentos distintos da História, e por diretores de uma mesma nacionalidade.
Ferro
em um dado momento de seu livro, na parte intitulada Sociedade que produz Sociedade
que recebe, analisa dois filmes que receberam críticas contrárias, mas que
fizeram muito sucesso de bilheteria, são eles: O Terceiro Homem, de Carol Reed
e A Grande ilusão, de Robert Rossen. Ambos puserem em cheque a capacidade das
sociedades hegemônicas da época, EUA e Reino Unido ao incluir temas como judeus,
homossexualidade e outros como passiveis de convivência social e dotados de
capacidade como qualquer ser humano.
Um
dos capítulos do livro é uma entrevista que o autor concedeu aos Cahiers du
Cinéma, em 1975, intitulado Sobre três maneiras de escrever a história,
no qual, novamente, sustenta a tese de ser o Cinema uma fonte histórica. Segundo
ele o Cinema foi desacreditado por algum tempo, mas após o primeiro grande conflito
mundial seu poder de registro – ficção ou não ficção – passou a ser respeitado,
inclusive os nazistas foram os que mais o utilizaram como veículo de propaganda
e disseminação desse mesmo poder, nazista. Por isso e por outros motivos, temos
uma grande fonte que faz história na História, como o próprio autor costuma
usar as iniciais minúscula e maiúscula para o mesmo termo em determinados
momentos do livro, numa clara provocação ao poder constituído, dessa vez, pelos
historiadores de formação, não diretores de cinema.
No
seu maior capítulo, O Filme: uma contra-análise da sociedade?, o autor continua
a nos instigar a pensar esse objeto como fonte histórica para o historiador e
faz a seguinte ressalva metodológica. O filme, aqui, não está sendo considerado
do ponto de vista semiológico. Também não se trata de estética ou de história
do cinema. Ele está sendo observado não como uma obra de arte, mas sim como um
produto, uma imagem-objeto, cujas significações não são somente cinematográficas.(p.
87)
Ler
e estudar Cinema e História de Marc Ferro é um exercício dos mais agradáveis,
pois reúne ciência e arte e nos leva necessariamente também a ver os filmes analisados
pelo autor, ao tempo em que nos instiga a construir nossas teses para outros
filmes, inclusive os nacionais.
Por
marcos josé de souza
15
de Setembro de 2020