Mario Gusmão, o anjo
negro da Bahia é a grande estrela de Glauber em Dragão da maldade contra o
santo guerreiro
Da cozinha ouve-se a
fina flor da musica importada do States
United of the America; da rua vem a melodia gostosa , manhosa, caliente do
arrocha com a voz macia do grande Silvano Sales e da sala, a mais genuína
musica brasileira, a dita folclórica, presente nas várias cenas de O Dragão da
Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha. Eis o caldeirão cultural
brasileiro, o qual, da nossa parte, convive em perfeita harmonia.
Mas nosso intento aqui é
conversar com vocês sobre algumas cenas do filme e destacando na película o
grande Mario Gusmão, o Oxóssi/São Jorge na narrativa fílmica, o homenageado no
6º FECIBA, o Festival de Cinema Baiano - vejam página no Facebook. O filme do
Glauber está disponível no canal You Tube.
O filme narra as
trajetórias que se cruzam: Coirano, o cangaceiro que vinga a morte de Lampião e
Antonio das Mortes, matador de aluguel, presente no filme anterior, o Deus e do
Diabo na Terra do Sol, também de G. Rocha. Mesclando a musica do povo, dita
folclórica, com a clássica; o Catolicismo e o Candomblé e o que está nas
entranhas de todas essas faces: a luta de classes. De um lado os coroneis e ,
do outro, o povo. Sem comida, sem moradia, sem trabalho, aos desmandos das vontades
de poucos. Eis o que nos oferece o Glauber.
O senhor
é um homem formado, mas a minha ignorância tem vergonha, é uma das grandes
frases que marcam o filme, dita por Antonio das Mortes ao delegado, ao recusar
a proposta deste para assassinar o coronel e mandante do lugar, cuja esposa era
amante do delegado, para o que receberia uma
fazendinha como recompensa.
A cena da tentativa de
assassinato do coronel enquanto ao fundo estavam as imagens de Cristo e da
Virgem Maria é outro momento antológico do filme, mostrando a ironia ferina do
discurso glauberiano. Detalhe importante: o coronel era cego.
A cena do remorso
coletivo: o professor, a mulher do coronel, o padre e o delegado morto. Mostra como
os três apaniguados e asseclas do rei, neste caso, o coronel, foram acometidos.
Este momento acontece após a tentativa de assassinato do coronel ter sido
frustrada. Para esse momento lembrei do texto de um jovem francês, Ettiene de
La Boetie, que viveu no século XVI, Discurso sobre a servidão voluntária. O qual
também serve para outra cena na qual o coronel, já se sentindo vingado do
adultério, é carregado nos braços pelo povo e ao lado da mulher.
Outro grande remorso é
o de Antonio das Mortes após um diálogo com a Santa: no momento em que ele
carrega o professor pelas ruas da cidade, aparece uma placa de Mogi das Cruzes,
SP e as palavras da Santa martelando em sua mente porque ele matou o cangaceiro
e que esta morte representará a morte do povo do lugar, cuja previsão é
concretizada: Ai arrebenta a guerra sem
fim, repetida três vezes e, em seguida, ao som de levanta sacode a poeira e dá a volta por cima, sucesso popular na
época do filme (outras músicas esclarecedoras da narrativa dão um toque
especial ao filme). Na cidade, vários nomes de estabelecimentos comerciais
indicam a confusão mental que Antonio das Mortes vem sofrendo.
O cangaceiro surge ao
modo de Cristo na cruz e o professor retirando as armas dele sugerindo que
tomaria uma atitude diante dos fatos. E ao fundo um violeiro tipicamente
catingueiro canta modas com enfoque político social. O que pode sugerir este
conjunto de cenas de personagens?
A cena final deve ir
para um museu, pois é antológica: montado em um cavalo branco eis que surgem a
Santa e no comando, o grande Oxóssi/São Jorge, e encarnando-o, Mario Gusmão,
acabam com a batalha ferindo mortalmente com sua lança o sanguinário coronel. E,
ironicamente, no chão, puxando a rédea, o padre, numa clara alusão da subserviência
da Igreja Católica aos verdadeiros valores religiosos do povo do sertão dos
Estados do Nordeste brasileiro, o Sincretismo da união ou culto simultâneo do
Candomblé com aquela instituição religiosa, bem ao gosto do que Euclides da
Cunha afirmara em Os Sertões, o sertanejo é uma rocha, isto é, mineral fruto da
junção de outros minerais, o povo do sertão, gente branca, negra e índigena.
Mario Gusmão
emprestando ao filme sua envergadura dramática e, como Oxóssi, “benzendo” o ex-cangaceiro
volteando-o por três vezes e depois se seguindo caminho. É a cena final.
O título do nosso texto
traz o nome de um documentário sobre o grande Mário, de autoria de Elson
Rosário, também presente no Festival.
VIVA MÁRIO GUSMÃO, VIVA
O FECIBA!!!!!
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