Historiadores
e
Cinema, Cineastas e História: o Diretor como historiador I
Em
que medida um cineasta historiografa um evento, um acontecimento, um episódio
um indivíduo, um grupo social? É possível que outro profissional (?) além do
Historiador, acadêmico ou não posso registrar um fato ou uma pessoa,
considerados históricos? Mas o que configura o status de histórico a qualquer
um dos “tipos” já citados aqui que sejam passíveis de entrarem para a História?
Por fim, por enquanto, em meio a tantas perguntas, mais uma delas: o que é
História?
Sem
a pretensão de dar respostas, em primeiro lugar por que não tenho as respostas
prontas e definitivas, em segundo lugar, as dimensões desse texto e a sua
natureza não permitem tanto espaço haja visto a imensidão que forma o universo
das possíveis respostas já formuladas ao longo de mais de 2 séculos de debates
sobre aquelas questões. No entanto atrevo-me a afirmar que é possível a
qualquer pessoa fazer, elaborar, historiografar um episódio ou a vida de
alguém, e se esta pessoa for um cineasta, ela terá muitas ferramentas e
conteúdo para construir a obra. Faço esta afirmação tendo em vista que o
Cinema, como arte múltipla pode registrar o cotidiano e, muito mais, revisá-lo,
reconfigurá-lo e contestá-lo. A partir destas ações o cotidiano deixa o
presente e começa a fazer parte do passado, desse modo o Cineasta, tal qual o
Historiador, de cátedra, isto é, de formação, também debruça-se sobre o ontem,
seja próximo, medianamente, distante ou muito distante.
A
partir dessas breves observações podemos afirmar que o cineasta Sérgio Rezende,
em Lamarca, 1994 e Zuzu Angel, 2006, construiu dois percursos individuais, mas
não isolados, desses dois personagens que entraram para a História do Brasil,
inicialmente somente no que é entendido como extra-oficial, isto é, a História
não assumida pelo Estado, sendo oficial quando este assume inclui nos registros
considerados oficiais, uma vez que o poder constituído “concedeu” o status de
ser estudado, lembrado, pela população, seja através de documentos, monumentos,
e até mesmo estudado nas escolas constante nos livros didáticos.
O
percurso de vida dos personagens que dão título aos filmes não se cruzam, Lamarca
e Zuzu Angel, mas a motivação do segundo, a busca pelo paradeiro do próprio filho,
Stuart Angel – ou do corpo dele – faz esse cruzamento, portanto temos duas
películas que tratam de duas pessoas, contemporâneas e que estão em ação
conjuntamente, a reação contra o endurecimento do Regime Civil-Militar contra
seus opositores. Enquanto Lamarca constroi sua formação política no exercício
da vida militar, consolidada quando esteve a serviço das chamadas Forças de Paz
da ONU, no Canal de Suez, ao se deparar com a vida miserável dos beduínos.
Stuart Angel, filho de classe média(ou média alta), tem sua formação políticas
nos corredores e salas de aula da Universidade e, por extensão, Zuzu, a mãe, vai
forjando sua “formação” a partir dessa busca corajosa pelo corpo do filho, uma
vez que à medida que os dias, as semanas e os meses se passam ela vai se
certificando de que a busca somente poderá trazer de volta o corpo do, não mais
o próprio filho.
E
é com esses indícios cruzamento de vidas, de registros episódicos de ambos os
personagens principais elaborados por Sergio Rezende e equipe, que podemos
afirmar que é possível ao cineasta produzir uma historiografia, ou um produto
da História. E no caso especifico de Rezende, seus filmes são frutos de
pesquisa – aqui inclusas as mais variadas fontes, principalmente para a
construção de Zuzu Angel – desde relatos pessoais de amigos, parentes, audição
de fitas cassete, leituras de livros. Quanto a Lamarca, segundo o próprio
Rezende, somente uma biografia foi consultada para a produção, o livro de
Emiliano José e Oldack Miranda, Lamarca, o capitão da guerrilha.
São,
portanto, Lamarca e Zuzu Angel filmes de representação histórica que certamente
já foram transformados, por força das circunstâncias, o ineditismo dos temas,
em fontes e agentes da História desse país que ainda aspira a condição de
Nação.