Cinema, Documentário e Ficção: qual a "fidelidade histórica?"
O
que é a história em O que é isso Companheiro? e em Hércules 56?
Com
essas perguntas simples pretendemos dissertar sobre os dois filmes lidos,
analisados e discutidos nesta semana que hoje se encerra, O que é isso,
companheiro, de Bruno Barreto, 1997 e Hércules 56, de Silvio Da-Rin, 2007.
Enquanto o primeiro propõe-se como um filme de ficção baseado em fatos,
portanto também em pessoas, instituições, entidades reais, o segundo, é um
documentário feito a partir e com os depoimentos de quase todos os
participantes do evento que deu origem a ambas as películas, a saber, a captura
do embaixador dos Estados Unidos, fato ocorrido em setembro de 1969.
Pelo
exposto acima os filmes foram realizados com uma década de diferença entre
ambos e do próprio evento, 28 e 38, anos respectivamente, ao primeiro e segundo
filmes. Mas por que trago essas datas e limites temporais? Para nos lembrarmos
de que cada um responde ao seu momento histórico, ao contexto político em que
cada um foi criado.
O
filme de Bruno Barreto pertence ao pós abertura política, ocorrida nos anos de
1980, consolidando o renascimento da democracia no país e em pleno governo de
Fernando Henrique Cardoso, à época do episódio real, também fora vítima da
sanha ditatorial do governo brasileiro, portanto, alguém “sensível” à exposição,
mesmo que representativa, dos fatos históricos recentes do Brasil. Já o filme
de Da-Rin, pelas leituras realizadas, intrínsecas ou não à nossa disciplina
aqui, nos revelaram que ele aconteceu muito mais como resposta às reações
negativas ao filme de Barreto, feitas a partir de novos programas de incentivo
à produção cinematográfica brasileira, promovidas pelo Estado e suas Fundações
e Autarquias. Em ambas as produções a legislação estava sendo usada.
E
o que temos em O que é isso companheiro?: um filme de aventura promovida esta
ação por um grupo de jovens que entraram na luta armada contra a Ditadura
civil-militar implantada no Brasil há cinco anos. São membros de duas entidades
políticas organizadas com o fim de tomarem o poder e dentre suas ações promovem
a captura do embaixador dos Estados Unidos para usarem como moeda de troca por
prisioneiros políticos das mais variadas “tendências” políticas de esquerda.
Ideia concretizada em pleno sete de setembro, isto é, a soltura do capturado e
os companheiros soltos e exilados no México.
À
época o filme teve boa aceitação de público, mas a crítica e principalmente os
participantes do evento, não viram com bons olhos a obra e sobre ela teceram
severos comentários como, por exemplo, a crítica: o filme é um melodrama
hollywoodiano e o personagem principal é o embaixador. Já os participantes
rechaçam a liderança de Fernando Gabeira (autor de um livro de memória sobre o
episódio homônimo ao filme sobre o qual Barreto se baseou) e outros detalhes do
processo de captura do embaixador.
Por
sua vez Da-rin promove uma releitura histórica e constroi seu filme a partir de
depoimentos, divididos em dois grupos de participantes: o primeiro, reunido em
torno de uma mesa, cinco pessoas e o diretor, numa sala com pouca iluminação,
tal qual uma mesa de bar e ao mesmo tempo uma sala de depoimentos à polícia.
Todos falam sobre o pré, durante e pós episódio; o segundo, individual, isto é,
cada entrevistado em sua própria casa, incluindo dentre esses Agonalto Pacheco,
em Aracaju. A ideia que tive desse exposição e modus operandi de depoimentos
foi o de que o primeiro grupo estava livre, mas havia a sombra da
clandestinidade e das prisões, enquanto o segundo, a liberdade no sentido
estrito, em sua própria casa, em seu lar. Outro detalhe do grupo em torno da
mesa foi o de que as ideias diferentes foram postas “à mesa”, incluindo
questões reveladas durante a realização do filme, isto é, houve espaço para o
debate, para o contraditório.
Entretanto
o que se abstrai dessa querela é a verdade histórica sobre um episódio
importante da recente história política do Brasil. Enquanto Barreto se propôs a
fazer uma leitura particular, sobre um episódio e baseado em uma obra
literária, Da-rin propôs-se a construir um documento histórico via depoimento.
Em ambas as situações temos duas visões limitadas, uma vez que aquilo que passa
na tela é parte de uma paisagem, portanto não é a verdade absoluta. Enquanto o
primeiro passou de cinema como fonte histórica a cinema como representação
histórica, o segundo é majoritariamente cinema como fonte histórica, pois fora
construído com os participantes de um evento real e elaborado como resposta ao
primeiro. Como agentes históricos somente o tempo posterior a este nosso irá
dizer, o que até o momento não temos informação dessa força de ambas como
produtores de história para além da própria cinematográfica.
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