MOMENTOS DECISIVOS DO CONFLITO NO FILME GUERRA DE CANUDOS, DE SÉRGIO REZENDE
INTRODUÇÃO
A
História é a forma científica da memória coletiva, como nos ensina Le Goff em
Documento/Monumento cujas possibilidades de registros apresentam-se nos
formatos de documentos e de monumentos. Entretanto esses dois “modos” não
possuem características definidas, isto é, o que se convencionou chamar de documento, por exemplo, há décadas que essa
hegemonia do oficial, do que está escrito e disseminado pelo poder público, isto
é, escrito e posteriormente considerado autoridade, foi dando espaço a outros
formatos, outras linguagens, dentre elas a Imprensa, a Literatura, o Cinema, como
também nos orienta o teórico francês citado acima.
A
primeira dessas linguagens, a imprensa, indicada acima tem uma
aproximação maior que as demais em relação ao documento oficial, uma vez que
não se trata de uma manifestação artística como as demais, entretanto é
passível de um “atestado” de credibilidade pelo poder público mesmo quando o
seu produto, a notícia, não for elaborada e veiculada pelos órgãos oficiais,
isto é, os órgãos do poder.
A
despeito disso, tanto a Literatura, quanto o Cinema, vêm, ao longo do século XX
consolidando suas potencialidades como detentoras de conhecimento histórico,
seja revisitando e revisando um tema, contestando-o ou até mesmo dando-lhe
visibilidade (ROSENSTONE, 2010). E para essas duas grandes áreas da produção do
conhecimento artístico e com conteúdo histórico, podemos citar dois grandes
exemplos, separados por um século de vida, quais sejam, o livro Os Sertões, de
Euclides da Cunha, publicado em 1902, mas cujo assunto foi a guerra de Canudos,
encerrada em 1897. Em 1997 é lançado o filme Guerra de Canudos, de Sergio
Rezende, que, baseado em O Rei dos Jagunços, de Manuel Benício e também em Os
Sertões, traz à tela, literalmente falando, o episódio do conflito bélico que
ocorreu no sertão da Bahia, no final do século XIX.
É
a partir desse preâmbulo que nossos olhos se direcionarão na tentativa de
entender e explicar o modo como Sergio Rezende construiu seu filme e sua
narrativa ao dar visibilidade a um tema caro ao povo brasileiro, a ação de Antônio
Conselheiro, do povo de Belo Monte e da ofensiva do Exército Brasileiro contra sobre
os integrantes da comunidade sócio religiosa e o líder Conselheiro cujos
desdobramentos poderão ser identificados e analisados
sob a ótica proposta pelo presente estudo
Ao
buscar bases cientificas para a produção deste conhecimento, foi nos
apresentado um modo relativizador através da leitura de (NÓVOA. 2008), mas não
menos sério, de abordar essa relação profícua, mas ainda não digerida por parte
da Historiografia, que é o binômio Cinema – História, o qual apresenta as
dimensões Educativa, Transdisciplinar, Estética, Dialética, Didático-Pedagógica.
Evidentemente que cada uma delas, Cinema e História, possuem suas
especificidades metodológicas, pois enquanto esta é uma ciência, a outra é uma
manifestação artística. Mas algumas obras de arte, transcendem todas as possíveis
dimensões às quais estão sujeitas (ou forjam essas dimensões) alcançando a
dimensão clássica (?)(...) transcendentes às suas historicidades. (NÓVOA. 2008)
E
é na esteira da transcendência que um filme histórico, como nos ensina Barros,
2014, pode causar mais impacto que um livro de História ou de Ciências Sociais,
quando ambos tratam o mesmo tema, pois o filme “revive” o dado momento, o que
provoca no espectador a sensação de estar vivendo o momento, mesmo que se saiba
que ali é uma representação. Desse modo pode-se considerar que um filme pode
ser um agente histórico, quando interfere no cotidiano de uma dada comunidade,
ou até mesmo sociedade. Podem ainda servir de fonte histórica, quando o seu
conteúdo já passa de produto de pesquisa, para produto de pesquisador, seja
para referendar, contestar, ou anular (será isso possível, anular uma fonte
histórica? Deixemos essa pergunta sem resposta, por enquanto).
O
cinema em sua dimensão transdisciplinar exige do cineasta que se debruce sobre
outras linguagens e outras ciências quando abordagem histórica assim o exigir,
mas este debruçar-se não faz dele um historiador, ou linguista, caso seu filme
seja uma viagem arqueológica sobre escritos antigos.
A
dimensão pedagógica da relação Cinema-História é tão inquietante e incisiva que
temos a sensação de participação direta de nós espectadores, ao assistirmos
algo, apesar da certeza de que tudo não passa de “ilusão momentaneamente real”,
afinal ninguém sai o mesmo depois de uma boa sessão de cinema.
É
a partir desses pressupostos até aqui delineados sucintamente, que o professor
e pesquisador Jorge Nóvoa nos incita a pensar a pesquisa a partir do Cinema, em
diálogo com os mais diversos saberes, aqui a História, sob o binômio da
razão-poética, pois é “[D]a capacidade do cinema de capturar a objetividade do
real, assim como a dor, o prazer e o desejo, constitui um aspecto da relação
cinema-história tão rico quanto inexplorado e de circunstâncias transcendentes”(idem).
Teremos assim um novo paradigma que pensa o conhecimento a partir das relações
sensoriais em constante diálogo com a razão, denominada por Nóvoa, de razão
pura. Portanto em diálogo aberto e sem hierarquizações teríamos a razão
poética.
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