Qual
a representação da mulher no Cinema Nacional em Parahyba Mulher Macho,
Eternamente Pagu e Cabra Carcado para Morrer?
A
cultura, em seu sentido amplo, sempre guiada pelo homem branco, e com o Cinema
não foi diferente, o que se constata, tanto por Alômia Abrantes da Silva em capítulo de sua tese, intitulado, Anayde Beiriz
e a (re)invenção da “mulher macho”, como em outras diversas pesquisas e até
mesmo pelo contato que temos com as produções como em uma simples leitura da
ficha técnica dos filmes. A hegemonia branca masculina na produção, direção e
atuação, do Cinema em todo o mundo, particularmente no Brasil, como me referi
acima, confirma essa maioria que destaca somente o quantitativo de diretoras,
03(três), frente a um universo de 87(oitenta e sete) diretores, como podemos
ver na referência indicada acima neste parágrafo.
A
partir desse minúsculo exemplo outra pergunta surge, é possível fazer a
representação da mulher no Cinema já que ela não existe? Assim nos provoca
nosso interlocutor e professor Hamílcar.
Se
consideramos a segunda pergunta dentro o que vimos nos filmes vistos e destacados
aqui, sem pestanejar, nossa resposta é afirmativa. Primeiro pelo título – temos
dois termos femininos no primeiro e um substantivo próprio no segundo. O
terceiro derruba nossa tese, mas ela é reerguida a partir da sinopse, cujo
destaque, cento da narrativa, é uma mulher. O fortalecimento para nossa tese
afirmativa também se confirma quando temos nos dois primeiros, na direção, uma
mulher.
O
que une as três películas é a centralidade do debate, da narrativa, em torno da
liberdade feminina, do ser mulher no mundo, dominado pelos homens brancos. Algumas
outras identidades unem duas películas em torno de um outro elemento, a saber:
o primeiro, EP e PMM, as protagonistas são contemporâneas entre si, escritoras
e livres do ponto de vista sexual e do relacionamento amoroso e social; em PMM
e CMM, ocorrem no Estado da Paraíba e ambas protagonistas envolvidas com a
Política. Entretanto eis que elas demonstram seus protagonismos, com um
diferencial, o mote para a realização do terceiro filme, daqui em diante CMM, é
o da documentação da vida de um líder camponês no interior da Paraíba, mas com
o assassinato dele, a viúva ganha o destaque e ascende como mulher e não
somente como viúva.
A
seguir alguns comentários particulares para cada filme:
Em
EP, mesmo sendo desconhecida do público, inclusive o dito intelectual, vê-se
problemas que foram causados pelos próprios atores, afinal estamos vendo um
filme sobre uma pessoa que viveu intensamente seu tempo de modo atemporal,
sendo mulher em um mundo masculino. Uma pessoa que produziu intelectualmente,
amou livremente, atuou politicamente, portanto, marcou o seu lugar no tempo e
na História, com suas histórias, com seus papeis, reais.
Começando
pela atriz principal que interpreta a protagonista, uma personagem que não
correspondia ao histórico, nem da interpretada, muito menos da figura real. Seu
semblante era praticamente o mesmo, inclusive em momento que alternava dor e
alegria. Este foi o maior responsável pelo fracasso do filme, fato do qual não
era merecedora a diretora, antes uma das maiores atrizes do Brasil e do mundo,
mas acabou escolhendo mal “sua Pagu”. O saldo positivo foram as atrizes que
interpretam Tarsila do Amaral e a irmã de Pagu, Sidéria. Esta atriz é quem
deveria ser a protagonista, dentre aquelas que aparecem na película, afinal é
despojada e quando ri, chora, entristece, alegra-se, marca com profundidade
cada destes sentimentos como requer uma “interpretação”.
Já
PMM tivemos um ambiente contrário ao de EP, atores e atrizes despojados,
“encarnando” seus personagens, sendo seus sujeitos históricos, isto é,
emocionando a plateia com suas performances.
Se
o que sabemos, pouco do mesmo modo que Pagu, a respeito de Anayde Beiriz,
tivemos uma atriz que personificou uma mulher livre, independente e produtiva. Cuja
coragem e destemor ficaram latentes em cada momento da narrativa fílmica. Nos
mesmos filmes também tivemos homens que gravitavam em torno da protagonista, atuando
diretamente ou não às mulheres, nos fizeram viver aquele tempo histórico via
representação.
Anayde
foi estudante, Anayde foi mulher, Anayde foi escritora, Anayde foi amante,
Anayde foi trabalhadora, Anayde foi professora. Mas Anayde não foi filha,
Anayde não foi vizinha, “circunstâncias” que mereciam algum destaque na
narrativa em face de seu comportamento atípico, historicamente falando.
E
o que temos e o que vivemos em CMM? Diferentemente dos dois filmes
anteriores, sobre a motivação e os modos da produção, temos um documentário que
nasceu inicialmente pelo acaso, em seguida, na sua elaboração, interrompido
pelo Estado Brasileiro, e retomado 17(dezessete) anos após a sua interrupção.
Como
apontado inicialmente acima, o documentário teve como primeira motivação o
registro da vida de João Pedro Teixeira, líder de lavradores e da politização
desses mesmos atores sociais, no município de Sapé, zona da mata paraibana. Por
que o acaso levou o documentarista a registrar esta situação? Ele e sua equipe
estavam em caravana com lideranças culturais da UNE a fim de implantar núcleos
dessa entidade em diversos pontos, quando souberam do assassinato do líder dos
trabalhadores rurais.
Ao
tomarem conhecimento do histórico das lutas daquele povo, e das circunstâncias
do assassinato, 03 (três) anos depois com nova equipe aportou no interior da
Paraíba a fim de iniciar as filmagens do documentário. Eduardo Coutinho aporta
na Fazenda Galileia para registrar o cotidiano daquele povo e, principalmente,
reconstruir representativamente a história de João Teixeira e os
sindicalizados. É nesse contexto que surge a força de uma mulher, uma mulher de
fibra, mesmo que em fuga dos seus algozes, a senhora Elisabete Teixeira, viúva
do nosso cabra marcado, o João Teixeira.
Por
que a fuga? Com o golpe civil-militar no qual todos esses atores sociais
estavam envolvidos contemporaneamente, qualquer pessoa poderia ser considerada
inimiga do novo governo e aqueles e aquelas que se organizavam em sindicatos e
afins, eram definitivamente inimigos da pátria. Desse modo, ou a prisão, quase
sempre seguida de morte nos porões da Ditadura, ou a fuga. Esta segunda opção
foi abraçada por Elisabete, deixando para trás 09(nove)filhos.
Localizada
por Coutinho 17(dezessete) anos depois, temos não mais a viúva, somente, mas
uma líder comunitária, mesmo com outras ações, tornara-se professora em sua
própria casa. Com a entrevista foram sendo reveladas suas facetas de
companheira daquele líder, não somente esposa, mas parceira de luta. Rebelde
com a família, pois casara-se a contragosto do pai.
Em
todos os momentos sua fala revelava sua fortaleza e esclarecimento sempre em
ascensão, a despeito de ter somente o 2º ano primário. Não agradeceu ao
Presidente da República pelo início da abertura política, afinal sempre
destacou que a luta precisava continuar, pois os motivos ainda continuavam:
opressão, analfabetismo, latifúndio e todos os males que as diferenças sociais
causaram e ainda causam à Nação.
Retomando
as inquietações provocativas dos questionamentos do início do texto, podemos
observar nos filmes vistos nesta semana que tivemos mulheres representadas no
sentido de pessoas sujeitas de sua própria história, a despeito da sociedade
masculina em todas as narrativas, mulheres em seus mais diversos papeis
sociais: poeta, agitadora cultural, professora, líder sindical. Entretanto no
conjunto fílmico desta nossa jornada, a mulher não existe, uma vez que o olhar
é masculino e branco, escolarizado ou não, na maioria absoluta das películas.
Ótima análise sobre a presença e
ResponderExcluira importância do papel da Mulher no Cinema Brasileiro. Ainda há muito para avançarmos no que diz respeito ao protagonismo feminino, não só na cinematografia, mas em todos os espaços. Sabemos o quanto o poder do patriarcado ainda é predominante, por isso a necessidade da discussão e a importância de que ela não seja feita apenas por mulheres, mas também por homens que tenham consciência de que nós, Mulheres, somos tão potentes quanto eles!
Obrigado, Tinoca. Mas quando puder ver um dos filmes, com ou sem o debate com as outras convidadas, Andreia Reis e Carina, agradeço ainda mais.
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