segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Um passeio pela saga de Antônio Conselheiro através do olhar de um latinoamericano peruano.

 

A Guerra do fim do mundo, Mario Vargas Llosa, 1981

A saga de Antônio Conselheiro na maior aventura literária do nosso tempo

Prêmio Ernest Hemingway 1985

Publicação da Francisco Alves, 17ª edição,1990

Tradução de Remy Gorga, filho





O primeiro contato que tivemos com a saga A Guerra do Fim do Mundo, de Mário Vargas Llosa, se deu por acaso quando uma um exemplar da revista Veja caiu em minhas mãos e, nas famosas páginas amarelas, fui atraído pelo título da entrevista - do qual não me recordo -, feita com o escritor. E aí a partir da Leitura foi identificando como as perguntas, e principalmente as respostas dadas, estavam bem próximos de nós aqui de Fátima, à época recém-emancipado município. E o que aparecia ali?, o nome de Simão Dias, cidade sergipana muito conhecida de todos nós, que da minha lembrança, para usar uma expressão muito cara a psicologia, na minha memória afetiva, fazia parte, pela linhagem materna, minha mãe sendo das matas de Paripiranga e, por isso ela falava muito no município vizinho, mas já Sergipe. Outra aproximação com a cidade dava-se também por alguns estudantes daqui da vila, ainda, quando nossos primeiros aventureiros estudantes que para lá se dirigiram como Milton de Seu Zé da Laje e de dona Lucila.

 

 

Muitos anos se passaram e eu tive o contato físico com o livro há muito tempo, cerca de 20 anos, depois das minhas primeiras leituras com de Os Sertões, de Euclides da Cunha e já sabedor de um pouco do conteúdo via algumas leituras superficiais de revistas e jornais do cotidiano, de que esse livro se tratava de uma ficção, entretanto misto de fatos reais e que o autor se apoderava dos fatos históricos para criar situações. Assumo que tinha ciúmes, pois desde criança me atraiu o Movimento de Canudos e a figura de Antônio conselheiro e, por extensão, o livro Os Sertões e o próprio Euclides da Cunha e não via com bons olhos um estrangeiro se apoderar de nossa história e ainda escrever do seu modo, a história. Pensamento adolescente e limitado o meu.

Já quando passava dos 40 anos adquiri o primeiro exemplar e com pouco tempo depois ganhei de meu amigo, nosso Paulinho, escritor-poeta de Ribeira do Pombal, terra do Beatinho, presente tanto em Os Sertões, quanto em A Guerra do fim do mundo, mas a primeira leitura se deu quase 15 anos depois de ter adquirido o primeiro exemplar

 

Mas e o livro do que trata? Como é de se esperar o próprio título e o subtítulo nos dão informações, não são somente indícios do que trata aquela narrativa. Faço saber que mesmo sendo um catatau de quase 600 páginas, é um livro delicioso de se ler com seus personagens fictícios, outros somente substituídos os nomes como um “determinado” Barão de Canabrava que aparece como uma das figuras centrais na narrativa e evidentemente na narrativa histórica. A primeira dessas quero classificar como literária e para ficar bem claro, nós temos a narrativa literária e uma narrativa histórica. E de tudo o que para mim foi inédito, o que mais me chamou atenção foi a construção do texto que é uma narrativa não linear. O texto é composto por quatro partes o que vai na linha de Os Sertões, dividida em três, entretanto não dá nomes a elas, somente enumera e dentro delas a divisão em capítulos sempre enumerados e dentro de cada capítulo nós temos aquelas narrativas não lineares e nem tão pouco paralelas, pois são quadros que ele vai compondo esse mosaico que são protagonizados, tanto senhores da nobreza - já extinta pela República, mas em termos de Brasil ainda hoje tem gente que se sente pertencente, mas também temos rastreadores, pessoas pobres que conduziam os soldados pelas veredas do Sertão -aqui a palavra veredas exatamente para fazer uma homenagem ao grande João Guimarães Rosa, mulheres simples e cheias de sabedoria, astutas, corajosas, pessoas com deformidades físicas como o Leão de Natuba – ao lerem terão o que de maravilhoso atribuiu a personagem -  era alfabetizado!!! Eu considerei sensacional esta criação, este sujeito histórico, esse personagem e Natuba é a atual Nova Soure. Outros personagens também vão surgindo os quais serão expostos adiante.

Outra percepção que temos ao lermos A Guerra do Fim do Mundo é sua relação com o filme Guerra de Canudos,1997, de Sérgio Rezende, o qual, neste, optou por tratar a guerra de Canudos a partir da ótica da vida de uma família e dentro dessa família, o foco narrativo na filha mais velha, que se rebelou com a presença e a influência de Antônio conselheiro na casa dos próprios pais. Desse modo o filme Guerra de Canudos não trata da vida de Antônio Conselheiro, mas do comportamento e trajetória de uma personagem fictícia, pelo menos até agora é uma criação do diretor, (apesar dos indícios de uma leitura em José Calazans, mas isso é assunto para outro texto), feminista(?), solteira que se prostitui e não abandona o séquito do Conselheiro, apesar de não estar dentro dele, do séquito. Mas como se dá essa contradição? É que ela se prostitui com soldados e depois vai morar com um deles, portanto Exército e séquito do Conselheiro em Campos opostos, mas muito próximos um do outro.

Portanto reitero que o escritor peruano também retrata muito mais a vida de quem cerca Antônio Conselheiro, sejam eles adversários ou companheiros e companheiras, do que o próprio líder. Nós não podemos esquecer que tudo existiu a partir do comportamento da vida que ele construiu para si e foi atraindo seguidoras e seguidores: as intervenções e chegadas nas diversas localidades das regiões Nordeste e Leste - isso mesmo não podemos esquecer que a época o mapa geopolítico do Brasil trazia essas duas regiões - compreendendo sua caminhada iniciada em Quixeramobim, no Ceará, encerrando em na antiga fazenda denominada Canudos Velha, à beira do rio Vaza-Barris, percorrendo principalmente depois do Ceará Pernambuco Sergipe e Bahia (Alagoas, nas minhas leituras não tenho conhecimento dessa passagem pelo Estado alagoano).

Destacarei alguns personagens dentre eles os já citados acima e alguns fatos que considerei cinematográficos como por exemplo a morte dos amantes de Jurema, casada com Rufino, o rastejador que depois foi violentada pelo revolucionário irlandês Galileu Gall – cuja presença não tenho clareza até mesmo da necessidade na narrativa. Ela, Jurema, cujo faz jus à força e determinação feminina tal qual a árvore do semiárido, mais adiante, vai viver um romance quente em pleno tiroteio da guerra, com o jornalista míope, assim mesmo, sem nome que Vargas Llosa homenageia, ao meu ver, Euclides da Cunha.

Outros grande e profundos personagens são as mulheres, aquelas que cuidam da saúde e da religiosidade em Belo Monte, que é o nome dado à cidade de Canudos, pelo Conselheiro e pelos seguidores deste; também temos a esposa do Barão e sua companhia; o padre de Cumbe, colaborador do Belo Monte e pai de algumas crianças; a mãe dessas crias, fruto do relacionamento com esse religioso. Enfim o quadro composto por Vargas Llosa é rico e atende aos gostos literários de muitas e muitos que se aventurem por suas centenas de páginas.

Recomendamos a leitura, a aventura na história, nos conflitos internos e sociais, enfim, pelo conjunto da obra. A duração e o ritmo da leitura são, como sempre, individuais, pois alguém pode ler de 50 a 100 páginas por dia, ou, conforme destaquei aqui, pode ser lido é um ritmo lento, ao fazer somente um quadro de cada capítulo por dia.

PS. Texto não revisado pelo autor.


quarta-feira, 5 de julho de 2023

 

A Pedagogia do Cinema via Montagem – reflexões desse campo de estudos sobre o filme Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende

Marcos José de Souza

RESUMO

O trabalho ora concluído se insere no campo dos estudos sobre Cinema, em particular, a Pedagogia do Cinema, via Montagem, quando aqui elaboramos um percurso teórico a partir das ideias da pedagogia pobre, de imagem, de experiência, consideradas basilares para aquela pedagogia. Esse artigo foi elaborado a partir do diálogo com as seguintes fontes de pesquisadores BONDIA(2002), GALLO(20016), MASSCHELEIN(2008) e MIGLIORIN e BARROSO (2016), que tratam indiretamente do tema, a partir dos conceitos de imagem, experiência, de pedagogia pobre e, em especial, sobre pedagogia do cinema:montagem. Usamos ainda como fonte para confrontação dialógica dessa Pedagogia do Cinema, via Montagem, 03(três) cenas do filme Guerra de Canudos, 1997, de Sergio Rezende. Por se tratar de um campo recente de estudos, nossos resultados são provisórios, entretanto vislumbram uma riqueza de possibilidades, pois trata-se de uma área que dialoga com a produção fílmica, a recepção da arte, estudos da imagem, majoritariamente.

PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia do Cinema: Montagem. Antipedagogia. Imagem. Experiencia. Guerra de Canudos.

1.    Introdução

O que ensinar? Por que ensinar? Quem deve ensinar (quem deve aprender?) Quando ensinar? Como ensinar?

Estas e outras perguntas provocativas servem para que possamos mergulhar nesse universo, o da Pedagogia e pensarmos sobre momentos, circunstâncias, razões,  justificativas, necessidades, desejos de aprender, de saber, uma vez que se pergunto sobre “ensinar”, o que aprender é a outra face (não seria a mesma?) da ação ...pensemos juntos incluindo também   o cinema nessa peleja boa.

E é sobre isso que me proponho a analisar neste artigo, a Pedagogia do Cinema a partir da montagem, ou, como afirma MIGLIORIN e BARROSO(2016) em artigo germinal sobre esse universo, tratar o cinema como arte que carrega em si uma, duas, três ou mais pedagogias, quando pluraliza essa área do ensino, a pedagogia, destacando a montagem cinematográfica como uma delas.

Partindo de algumas reflexões em torno de temas afins, mas também ainda germinais como Pedagogia Pobre ou anti-Pedagogia, Experiência e implicações no nosso pensar, refletir em torno de imagem e suas possibilidades, através de trabalhos dos pesquisadores Bondía(2002), Gallo(2016) Masschelein(2008) tentaremos construir um caminho que nos leve à Pedagogia do Cinema, via montagem, a fim de, no segundo momento do trabalho, analisar, à luz da Pedagogia do Cinema:montagem, três cenas do filme Guerra de Canudos, 1997, de Sergio Rezende, a saber, as cenas de abertura e a cena de encerramento, tendo em vista o caráter de apresentação do ambiente e o da chegada e de partido rumo ao desconhecido que os personagens enfrentaram e enfrentarão, respectivamente.

O filme Guerra de Canudos trata da vida de uma família residente no semiárido baiano que recebe a visita do peregrino Antonio Conselheiro, o qual partiu do Estado do Ceará, a pé, rezando, celebrando batizados e casamentos, pregando a pobreza e condenando o casamento civil, construindo e/ou restaurando cemitérios e igrejas, já sob o regime político instaurado após a Proclamação da República.

Ao chegar à Bahia encontra a família de Penha e Lucena e suas duas filhas e mais um filho, Luísa , Tereza e Toinho. Em face dos desmandos e da opressão do novo regime político, Lucena decide largar tudo e parte junto com o Conselheiro. Mas Luísa, sua filha mais velha não adere à decisão do pai e foge de casa. Se prostitui, casa com um soldado desertor da guerra e após ficar viúva, torna-se amante de Luís da Gama, Tenente do Exército.

Nas idas e vindas da vida de Luísa o séquito do Conselheiro se instala às margens do rio Vaza-Barris e ali constroem uma cidade. Esta é vista pelos governos como um atentado à República e decide atacar em 04(quatro) expedições na tentativa de destruir o Belo Monte (é o nome da cidade) o que consegue, deixando um rastro de morte, sangue, cadáveres insepultos e muita fome e gente doente...e inválida. Da família dos Lucena restaram Luísa e Tereza que dos escombros partem para o desconhecido.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

 MOMENTOS DECISIVOS DO CONFLITO NO FILME GUERRA DE CANUDOS, DE SÉRGIO REZENDE

INTRODUÇÃO

 

A História é a forma científica da memória coletiva, como nos ensina Le Goff em Documento/Monumento cujas possibilidades de registros apresentam-se nos formatos de documentos e de monumentos. Entretanto esses dois “modos” não possuem características definidas, isto é, o que se convencionou chamar  de documento, por exemplo, há décadas que essa hegemonia do oficial, do que está escrito e disseminado pelo poder público, isto é, escrito e posteriormente considerado autoridade, foi dando espaço a outros formatos, outras linguagens, dentre elas a Imprensa, a Literatura, o Cinema, como também nos orienta o teórico francês citado acima.

A primeira dessas linguagens, a imprensa, indicada acima tem uma aproximação maior que as demais em relação ao documento oficial, uma vez que não se trata de uma manifestação artística como as demais, entretanto é passível de um “atestado” de credibilidade pelo poder público mesmo quando o seu produto, a notícia, não for elaborada e veiculada pelos órgãos oficiais, isto é, os órgãos do poder.

A despeito disso, tanto a Literatura, quanto o Cinema, vêm, ao longo do século XX consolidando suas potencialidades como detentoras de conhecimento histórico, seja revisitando e revisando um tema, contestando-o ou até mesmo dando-lhe visibilidade (ROSENSTONE, 2010). E para essas duas grandes áreas da produção do conhecimento artístico e com conteúdo histórico, podemos citar dois grandes exemplos, separados por um século de vida, quais sejam, o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, publicado em 1902, mas cujo assunto foi a guerra de Canudos, encerrada em 1897. Em 1997 é lançado o filme Guerra de Canudos, de Sergio Rezende, que, baseado em O Rei dos Jagunços, de Manuel Benício e também em Os Sertões, traz à tela, literalmente falando, o episódio do conflito bélico que ocorreu no sertão da Bahia, no final do século XIX.

É a partir desse preâmbulo que nossos olhos se direcionarão na tentativa de entender e explicar o modo como Sergio Rezende construiu seu filme e sua narrativa ao dar visibilidade a um tema caro ao povo brasileiro, a ação de Antônio Conselheiro, do povo de Belo Monte e da ofensiva do Exército Brasileiro contra sobre os integrantes da comunidade sócio religiosa e o líder Conselheiro cujos desdobramentos poderão ser identificados e analisados sob a ótica proposta pelo presente estudo

Ao buscar bases cientificas para a produção deste conhecimento, foi nos apresentado um modo relativizador através da leitura de (NÓVOA. 2008), mas não menos sério, de abordar essa relação profícua, mas ainda não digerida por parte da Historiografia, que é o binômio Cinema – História, o qual apresenta as dimensões Educativa, Transdisciplinar, Estética, Dialética, Didático-Pedagógica. Evidentemente que cada uma delas, Cinema e História, possuem suas especificidades metodológicas, pois enquanto esta é uma ciência, a outra é uma manifestação artística. Mas algumas obras de arte, transcendem todas as possíveis dimensões às quais estão sujeitas (ou forjam essas dimensões) alcançando a dimensão clássica (?)(...) transcendentes às suas historicidades. (NÓVOA. 2008)

E é na esteira da transcendência que um filme histórico, como nos ensina Barros, 2014, pode causar mais impacto que um livro de História ou de Ciências Sociais, quando ambos tratam o mesmo tema, pois o filme “revive” o dado momento, o que provoca no espectador a sensação de estar vivendo o momento, mesmo que se saiba que ali é uma representação. Desse modo pode-se considerar que um filme pode ser um agente histórico, quando interfere no cotidiano de uma dada comunidade, ou até mesmo sociedade. Podem ainda servir de fonte histórica, quando o seu conteúdo já passa de produto de pesquisa, para produto de pesquisador, seja para referendar, contestar, ou anular (será isso possível, anular uma fonte histórica? Deixemos essa pergunta sem resposta, por enquanto).

O cinema em sua dimensão transdisciplinar exige do cineasta que se debruce sobre outras linguagens e outras ciências quando abordagem histórica assim o exigir, mas este debruçar-se não faz dele um historiador, ou linguista, caso seu filme seja uma viagem arqueológica sobre escritos antigos.

A dimensão pedagógica da relação Cinema-História é tão inquietante e incisiva que temos a sensação de participação direta de nós espectadores, ao assistirmos algo, apesar da certeza de que tudo não passa de “ilusão momentaneamente real”, afinal ninguém sai o mesmo depois de uma boa sessão de cinema.

É a partir desses pressupostos até aqui delineados sucintamente, que o professor e pesquisador Jorge Nóvoa nos incita a pensar a pesquisa a partir do Cinema, em diálogo com os mais diversos saberes, aqui a História, sob o binômio da razão-poética, pois é “[D]a capacidade do cinema de capturar a objetividade do real, assim como a dor, o prazer e o desejo, constitui um aspecto da relação cinema-história tão rico quanto inexplorado e de circunstâncias transcendentes”(idem). Teremos assim um novo paradigma que pensa o conhecimento a partir das relações sensoriais em constante diálogo com a razão, denominada por Nóvoa, de razão pura. Portanto em diálogo aberto e sem hierarquizações teríamos a razão poética.

domingo, 11 de junho de 2023

 

Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros, de Frederico Pernambucano de Mello, Escrituras Editora, São Paulo, 2012.

Marcos José de Souza

 

                 

 

Blog do Mendes & Mendes: Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros

 

Ao adentrar o campus da nossa Universidade Federal de Sergipe, mais precisamente no Departamento de Educação Física, fui recebido pelos parceiros do Grupo de Pesquisa Cinema e História, Janisson, Hamílcar – nosso coordenador – e Marcelo; Onesino Neto chegou logo depois. De Marcelo, recebi o livro Benjamin Abrahão: Entre anjos e cangaceiros de Frederico Pernambucano de Mello, uma agradável surpresa, principalmente porque ele disse que não era somente eu quem presenteava com livros – o parceiro fez alusão a um livro dado por mim aos integrantes do grupo.

E cá estou para registrar minha leitura, feita com a tranquilidade que um professor quase aposentado se permite – leitura pausada, sem pressa.

Além da própria vida no Juazeiro do Norte, do imigrante sírio-libanês, como o título sugere, há um quadro da correlação de forças no Nordeste Brasileiro, quando ainda tínhamos a região Leste (mas essa informação é somente um detalhe), destacando-se nessa correspondência a figura do Padre Cícero Romão Batista. Entretanto, o rápido olhar dessa produção textual vai se concentrar somente nas aparições, pelo qual o Estado de Sergipe é mencionado na obra já anunciada e identificada no presente texto.

A seguir, as declarações reproduzidas listam as aparições nos excertos somente para título de registro textual – a obra não está copiada plenamente a fim de permitir que, a quem for ler o livro, sinta o deleite da novidade com o que não será transcrito; a cada menção é realizado um breve comentário sobre esses trechos – doravante o nome Benjamin Abrahão será grafado com as iniciais BA:

No verão de 1936, está em Aracaju para esse fim, anotando na caderneta que tomara o trem na estação do Visgueiro, município de Muribeca, depois de ficar " de 14 a 18 de outubro em Propriá ", de jantar na "Vila do Cedro a 19 no sítio do senhor José Vieira, ", quando finalmente apanha o trem para a capital. (p. 135).

No dia seguinte, dá uma olhada no mar - alegria do matuto em que se convertera - e, no combinado da véspera, é recebido na redação do ‘Correio de Aracaju’, jornal de renome na terra. Do resultado da conferência de imprensa, a folha se ocupa em boa parte da terceira página, edição de 21 de outubro (p. 135-136)  

Esses dois primeiros pontos em evidência registram a passagem de BA pelo Estado Sergipe.

“Comensal de um governador de Estado, ao menos o de Sergipe, depois interventor federal [...]” (p.141).

O autor se refere à relação protetiva entre as autoridades legal e a clandestina; este vínculo não aparece na citação, mas trata-se de Lampião e seus companheiros e companheiras. Vejam que o adjetivo usado é “comensal”, mas funcionando como substantivo, é um termo elegante, diria até literato, para designar a relação parasitária entre os dois homens de poder no cenário sergipano, um legalizado, constituído por força de lei do Estado, o outro, o poder da força física e da capacidade de alheamento de liderados. O primeiro, na cidade, o segundo, no campo.

“Outra anotação nos fala de um Virgulino que já conhecia o cinema. Que já se deliciara até mesmo com a fruição de um longa-metragem completo. Na cidade de capela, Sergipe, em 1929” (p. 163).

Nesse trecho temos um registro de anotação de BA dando conta de mais um bom momento de Lampião em terras sergipanas, na oportunidade, em momento de lazer com a sétima arte. Outro detalhe importante é a presença do cinema no interior do Estado. Pergunta-se: esta sala ainda está funcionando?

O engenheiro Silva Lima, chefe da comissão baiana de Inspetoria Federal de Obras contra as Secas declarava ao jornal A tarde de Salvador, no final de 1937: "Quem nunca viajou pelo nordeste da Bahia e oeste de Sergipe não faz ideia do pavor que reina naquelas bandas, produzido pelas antigas incursões de bandidos nas várias localidades e pelo perigo que as populações consideram sempre iminente de novas entradas” (p. 174).

“1930 - Ferimento a bala no quadril, leve, no município de pinhão Sergipe, tratamento também caseiro’” (p. 191).

“Vêm a seguir as cidades que o bandoleiro conhecera por bem ou por mal, conservadas a ordem do ditado e a nomenclatura de época[...] Sergipe - Capela, Aquidabã, dores saco do Ribeiro, boca da mata” (p. 191).

“[...] assinale-se a perspicácia de omitir cidades que frequentava disfarçado, sobre a proteção do chefe local [...]. Ou Propriá, Sergipe. Ou mesmo Aracaju, pelas mãos do coronel Hercílio de Brito” (p. 191).

Nesses trechos temos a indicação da passagem de Lampião e seu séquito, de modo livre e às vezes com a anuência da autoridade local, ou como prisioneiro, neste caso algum membro.

O segundo: "Queimada do milho, município de São Paulo Sergipe, nove índios molestaram até a morte o menino de 17 anos chamado Aymuth". São Paulo hoje é Frei Paulo. O nome da vítima sugere que seria índio também. Fica a angústia de Benjamin diante dos acontecimentos. E a comprovação do quanto se espalhou nas andanças do período, pois que segue daí para Carira no mesmo Estado, onde dorme "em casa de Miguel José dos Anjos, a 28 de outubro de 1936”, entrando na Bahia no dia seguinte. Um viageiro insaciável. (p. 199).

No excerto supramencionado o autor traz anotações de BA quando passou pelos municípios citados ao se deparar com atos que lhe chamaram a atenção. Depreende-se também do acolhimento que o estrangeiro dispunha por onde passava – mas nem sempre foi assim.

Amizades feitas de Fortaleza aos Sertões de Sergipe E da Bahia, os convites de trabalho começam a chegar à base montada no Pau Ferro. Onde dois olhos negros, redondos e doces tinham se aliado, nos últimos dias, às razões negociais de permanência do nosso homem de cinema na vilazinha progressista (p. 244).

Esse trecho da página 244 ilustra outra vertente do secretário do Padre Cícero, o BA, a vaquejada.

Não é tudo, no plano da política tributária do capitão Virgulino, efervescência de aprimoramento no período. Há dois casos documentados, ao menos, de compra e venda de propriedades rurais taxadas por um arremedo de imposto de transmissão. Um em Sergipe, figurando como "contribuinte" certo senhor Ávio Brito [...] (p. 252).

Outro registro do livre trânsito de Lampião em terras sergipanas onde aparece como proprietário de imóvel.

O analista de hoje, com a segurança do acesso a depoimentos dados por ex-cangaceiros depois de extinto o cangaço, nota ser irretocável a geografia do bando traçado por Mariano para o meado dos anos 30, na longa entrevista concedida ao jornal recifense. Ouçamos suas palavras: “Lampião, nesses últimos tempos, tem-se embrenhado nas caatingas do Estado de Sergipe e se demora principalmente nos municípios de Porto da Folha, Simão Dias, Aquidabã, Gararu e Frei Paulo, sendo neste último que o bandido-chefe fez, com uma certa segurança, o seu quartel-general. De quando em vez, Lampião, à frene de uma parte de seu grupo, invade a Bahia, entrando ali nos municípios de Jeremoabo, Cícero Dantas e Paripiranga, que separam os Estados da Bahia e Sergipe (p. 254).

[...] Enquanto isso se dá, “os grupos de Corisco, Luís Pedro, Ângelo Roque, Moreno, José Sereno, Moita Braba, Chumbinho, Pedra Rocha e outros, matam, roubam, promovem incêndios, praticando, enfim, toda sorte de misérias.” Para fechar o roteiro, antes do regresso à amenidade das estações d’água em Sergipe [...] (p. 254-255).

Esta citação, também citada pelo autor, são palavras do tenente Luís Mariano da Cruz, da polícia de Pernambuco. O que chama a atenção é o distanciamento geográfico das cidades sergipanas para o percurso feito na Bahia e, neste interim, destaca-se Simão Dias, Sergipe, como passagem de Lampião, também fora da rota das demais cidades sergipanas.

Eis aí o GPS dos caminhos recorrentes de Lampião por toda a segunda metade dos anos 30 - no que seria a visão cibernética de um jovem de hoje - revelado por quem sabia do que falava, com responsabilidade e fé de ofício para fazê-lo. Vida mansa que poderia ter escorrido por mais vinte ou trinta anos balizada por Águas belas ao norte, e frei Paulo, ao sul Pernambuco e Sergipe respectivamente, feudos de coronéis poderosos encravados em ambos os polos- Audálio Tenório, pelo alto, Napoleão Emídio fechando o lado de baixo- não fora o afiamento dos dentes do Estado Novo no início de 1938 levando os coronéis das extremas, e praticamente todos os demais, a revogarem o apoio rentável que liberalizavam em favor do cangaço havia décadas, na preocupação repentina de salvar a própria pele. (p. 255, grifos nossos).

O texto supracitado mantém a constância das informações a respeito do Tenente Mariano sobre as boas relações do Cangaço, sob a corporificação de Lampião, com as forças econômicas, mais precisamente nesse mesmo fragmento, os famosos coronéis do interior do Brasil, cuja hegemonia foi atribuída somente ao Nordeste Brasileiro, o que não é verdade, afinal todas as regiões desse país tiveram seus coronéis – alguns juram que eles existem ainda e eu sou um deles. Os grifos nossos destacam e reforçam o que já havia sido comentado no presente estudo.

Estava aberta a pista pela qual correria contra o tempo, no afã de distribuir o produto pelo comércio fixo e pelas feiras de Pernambuco, Ceará, Alagoas Bahia e Sergipe na melhor configuração. Tinha nas mãos um produto cultural vendável e barato, ante o qual nenhum sertanejo se quedaria diferente (p. 262).

Esse trecho oferece a informação somente da persistência de BA em continuar ativo, dessa feita, vendendo seus produtos oriundos das suas visitas ao acampamento de Lampião.

“Em Alagoas e Sergipe, os governadores Osman Loureiro e Eronildes de Carvalho não somente são mantidos como galgam a blindagem da interventoria federal em suas unidades” (p. 267).

Nesse extrato da página 267, o autor informa os leitores sobre a ação do Estado Novo e como ele se espalha pelas unidades federativas.

Os recortes a seguir estão no final do livro e apresenta o registro do que entendeu Lampião em face das visitas que BA fizera ao acampamento, fazendo fotos e filmes:

Em Sergipe, a postura de Lampião evoluíra nos últimos meses para coincidir com o pensamento do militar e do chefe político quanto ao árabe. Ao cangaceiro Candeeiro, um dos oito homens de sua guarda pessoal, Virgulino viria surpreender em conversa ao revelar que mataria Benjamin se o encontrasse. "Ele foi falso comigo, levando de mim para contar aos oficiais", rosnava baixinho, riscando na areia as iniciais do agora desafeto. Lampião se queixava ainda da massificação das fotografias por todo lugar, "fora do que ficou combinado" (p. 269-270, grifo nosso)

A incursão mais recente do bando de cangaceiros, com Lampião se dera no meado de 1937 ainda uma vez partindo de Sergipe, atravessando Alagoas e chegando a cruzar a fronteira sul do Sertão pernambucano na reprodução do roteiro que apontamos acima. Esse trecho grifado se refere a outro trecho do livro que não reproduzimos aqui [...] (p. 269-270, grifo nosso)

No começo de 1938, logo a 11 de janeiro, O Diário de Notícias, de Salvador, noticiava a morte em Sergipe do chefe supremo do cangaço, vencido pela tuberculose. Balela. Barriga de imprensa. Mais uma nessa linha. Mas que ganhará espaço até mesmo no New York Times de 13: " O fora da lei número um morre em sua cama, no Brasil " [...] (p. 269-270)

Refeito, à frente de 17 cabras e duas mulheres, o chefe de cangaço inicia o roteiro habitual de regresso a Sergipe, que inclui a passagem pelo município de Águas Belas, a imprensa assanhada, registrando cada surgimento ao longo da trajetória o seu tanto previsível. (p. 269-270)

Na conclusão é realizado um comentário generalizante sobre o livro ao tempo em que são apontados outros caminhos pós-leitura para o enfrentamento das ideias e principalmente informações que o livro proporciona. Na verdade, uma ótima e rica leitura que dialoga com outras fontes, além da própria História.

À guisa de resenha, algumas informações básicas serão dadas e o devido atendimento ao que pede um texto do gênero. Eis o que Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros, de Frederico Pernambucano de Mello, apresenta e como isso é desempenhado, publicado pela Escrituras Editora, São Paulo, no ano de 2012.

Com uma linguagem que aproxima o leitor, como, por exemplo, as passagens que claramente dialogam com quem o lê, em outras, usa de palavras de cunho popular. O texto permite o leitor viajar pelos caminhos, estradas, ruas; embrenha-o pela catinga, aproximando-o do perigo das emboscadas, enfim, uma aventura histórica no Nordeste Brasileiro dos anos 30, mas não exclusivamente, do século XX.

Antes de adentrar à estrutura do livro, faço saber que outras leituras são sugeridas como, por exemplo, a relação com o cinema e os filmes Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, pela relação direta do sujeito histórico principal estar nesse filme. Também há uma íntima, mas não direta, relação com Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes, quanto à presença da Bayer e da propaganda dessa empresa alemã nos rincões do Nordeste Brasileiro. Por fim, mas não esgotando as relações, está presente o beato Lourenço que sofreu o ataque do Exército Brasileiro e, tal qual Canudos, há 4 (quatro) décadas atrás no sertão da Bahia, também sofreu por duas vezes a chacina de seus seguidores. A sugestão sobre essa temática é o livro Pedra Bonita (1968), de José Lins do Rego.

A estrutura do livro apresenta-se em duas grandes partes sendo a primeira e maior delas, os capítulos, que somam 12 (doze), enumerados com títulos bastante sugestivos e que apresentam a abrangência que um livro de História, mesmo localizado – a vida de um sujeito histórico, consolidado tradicionalmente ou não, pontual – quando se refere a um determinado tempo histórico, não deixa de identificar o seu momento histórico no universo maior, para a obra, a História do Brasil. Logo, é um livro de História que parte do singular, imerge no plural e ali permanece, emerge ao singular, ladeado com o plural.

A segunda parte da estrutura do livro diz respeito ao rico acervo fotográfico que apresenta, o qual foi editado no final do livro, após o último capítulo. Assim, quem o ler pode apreciar duas leituras em uma só: a primeira sobre os textos propriamente ditos e consolidados, aqueles que aparecem compostos por palavras e a segunda, com as fotos que também “contam” a sua História sem deixar de ser a mesma da primeira parte. As notas ao final de cada capítulo, como um honesto historiador, enriquecem a leitura, tornando-a mais ampla.

O livro ainda conta com Anexo, no qual constam documentos oficiais, sendo um jurídico e outro jornalístico e o terceiro, do padre Cícero Romão Batista, Fontes, divididas em bibliográfica, jornalística, arquivística e de entrevistas e, por fim, um Índice Onomástico.

Portanto, o livro é por si uma fonte histórica que trata sobre sujeitos e seus fatos históricos, uma obra essencial para quem quer conhecer um pouco do Brasil. Sim, um pouco, porque nossa História é vasta e um livro somente não é suficiente para nos conhecermos totalmente. Aliás não há um livro com essa magnitude. O livro sobre a vida de Benjamin Abrahão é uma leitura necessária.

 

Imagens :

À esquerda – Benjamin e Padre Cícero

À direita – Benjamin

Ao centro – Frederico, o autor

domingo, 29 de agosto de 2021




 

No calor da hora, mesmo com chuva breve – um ensaio, uma leitura inicial

de Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade.

Notas esparsas sobre Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade

O breve e presente ensaio que ora torno público, feito sobre o livro Memórias sentimentais de João Miramar, de autoria de Oswald de Andrade e publicado no ano de 1924, é uma das referências, um dos marcos do chamado Modernismo brasileiro cujo diferencial é a construção de capítulos (por ora assim vamos considerar) bastante curtos e com pouca, mas muito pouca relação entre todos eles.

O que nos motivou a escrever esse texto foi um trabalho apresentado aos estudantes da 3ª série, do turno vespertino, do Colégio Estadual Paulo Freire aqui no município de Fátima onde leciono desde o ano de 2001. Então a nossa pretensão é, na verdade, estabelecer um diálogo com esta obra da qual ouvia muito falar desde os tempos da Universidade quando cursava Educação Física (já que eu era um estudante daquele curso fora dos padrões atléticos) e tinha muitas amizades com os estudantes de Letras, História, Pedagogia e Geografia, majoritariamente com os de Letras e desde então a paixão pela leitura e pela literatura brasileira já fazia parte do meu cotidiano. Desde aquela época, final dos anos de 1980, que eu ouvi muitos comentários, fiz algumas leituras sobre ele - o livro aqui em tese - e no exercício profissional, na docência do Ensino Médio, com um contato mais aproximado, entretanto a leitura do texto na totalidade nunca havia feito, o que fiz agora no ano de 2021 já depois de diplomado em Letras também pela Universidade federal de Sergipe e com meus quase 30 anos de trabalho.

O arquivo que nós utilizamos está disponível na internet, no banco de dados da Universidade de São Paulo, cuja referência exata colocaremos ao final, é um texto composto por 93 páginas e a nossa primeira observação é feita a partir da página 32, onde começa o prefácio e seu sugestivo título, à guisa do prefácio. Nele temos a apresentação do personagem que dá nome ao romance, com a indicação de suposta ocupação profissional, o jornal impresso com o termo imperialismo "João Miramar abandona momentaneamente o periodismo para fazer a sua entrada de homem moderno na espinhosa carreira das Letras"

VAMOS AO TEXTO

Em “Gare do infinito”, nome dado ao terceiro episódio-fragmento, isso mesmo, a narrativa não é dividida em capítulos, o narrador noticia o falecimento do próprio pai o trecho é por demais poético assim ele se pronuncia no jantar noturno a voz toda preta de mamãe ia me buscar para a reza do anjo que carregou meu pai"

Em “Perigo das armas” quinto episódio-fragmento (doravante o numeral seguido de EF)lendo um livro sobre o rei Carlos Magno o narrador provoca um acidente.

No 18º EF, de modo sutil(?) temos a “notícia” de que o narrador não é o personagem que dá nome à narrativa, cujo título é “Informações”:

 

“Gustavo Dalbert numa noite de cabelo e cigarro disse-me que a arte era tudo mas a vida nada. Ele era músico e ia morar em Paris comigo, o amigo e jovem poeta João Miramar.

Havia um outro artista na vizinhança, o Bandeirinha barítono e outros poetas na cidade.”

 

O neologismo, uma das marcas oswadianas, aparece em vários momentos, e esta nos chamou a atenção pela força política que exerce, o que ocorre no 27º EF ao se referir a um personagem: “Pantico norte-americava.”

Usando e abusando(esta no bom sentido – rs), o narrador assim se expressa no 37º EF: 37. Vejam os destaques que fiz.

 

“A MADÔ DO COMEÇO

Era filha puberdada do dono do restaurante de olhos azuis.

As pátrias longínquas cresciam no inverno da sala como legumes tardios. E o escuro da escada subia quedas ao sétimo andar.

Sonhamos um livro de viagens. “

Em “A calma descrita por Homero”, EF 53, vejam que delícia de sonoridade, tanto pelas consoantes, quanto pelas vogais:

“ Depois Almeria acordou a passagem do mar nas colunas que estreitam a estreita entrada das terras mediterrâneas.

Na África Ceuta sepulcrava ao luar. E do outro lado a pedra anglorochosa fincava a garra na Espanha.”

 

A onomatopeia se faz presente ao trazer um grilo para a narrativa, no EP61, sob o título Casa da Patarroxa”:

“A noite

O sapo o cachorro o galo e o grilo

Triste tris-tris-tris-te

Uberaba aba-aba

Ataque e o relógio taque-taque

Saias gordas e cigarros”

Destaco ainda o vanguardismo com a junção dos termos “pata” e “roxa” duplicando a letra “erre” na junção deles para formar um só termo, o que foi oficializado muitas décadas depois com o atual acordo ortográfica da Língua Portuguesa. Esse moço era um danado, mesmo hein minha gente?

Em Fausta, EF 71, a ironia beira o sarcasmo ao se referir, o narrador, aos costumes parisienses, e em meio a tantos neologismos, agora destaco um arcaísmo, para nosso contexto, quando as fotos são chamadas de instantâneos. O poder econômico do narrador( e do autor) também são apontados no EP 73, ao se referir ao bairro Higienópolis, na cidade de São Paulo, tradicionalmente ocupado por fazendeiros do café, industriais, etc. nesse mesmo EF, o narrado faz uma divertida alusão ao que considerei dias de intensa preguiça: “Os domingos eram grávidos de sono.”

Mais uma riqueza de sonoridade está no EP 74, cujo título, enigmático é “sol o may”:

“Um soldado só para policiar minha pátria inteira

E o gru-gru dos grilos grelam gaitas

E os sapos sapeiam sapas sopas

Lampiões lamparinas

Delenda linda Salomé

A javá é uma polca porca com poeira azul

Mas o roxo arroxa a procissão de cortinas cor-de-rosa”

Em um modo divertido para se referir à própria paternidade, o narrador, elege para o momento, a sogra, ao anunciar que ela será avó, no EP 75.

Uma referência histórica explícita aparece no EP 84, provavelmente a I Guerra Mundial, uma vez que o livro fora publicado nos anos 1920. O narrador assim se refere:

“Eu vou logo para o Brasil quando os alemães deixarem. Já fui preso duas vezes. Depois eu conto. A Alemanha vai ganhar nesta guerra.”

 

No EP 92, o autor faz uso da metalinguagem mais uma vez ao traduzir em poema mais um fragmento da sua narrativa:

“ESTELÁRIO

Coração esperançava esperançoso

Começo claro da noite cidadina

Retalhos grandes de nuvens

E duas estrelas vivas

Trem rolava com minha estrela

Bordando a vida fabricadora

Do Brás à Luz

Rolah estrelava o Hotel Suíço”

Com presença da sonoridade já vista antes e destacada nesse texto, tanto com consoantes, quando com vogais (não uso os nomes técnicos desses fenômenos linguísticos para provocar nos possíveis leitores, a curiosidade). Também outras referências à cidade de São Paulo estão presentes.

O jogo do bicho aparece no EP seguinte, para assim, configurar o posicionamento nada convencional do autor, muito mais do que o do narrador.

No 100º EP, cujo título lembra mais uma provocação, o narrador confirma mais uma vez sua origem social e econômica com as viagens a Paris, a compra de livros; neste caso temos a divulgação de obras literárias, outro fator determinante de classe, a alfabetização e a aquisição de livros, o uso de termos em francês, isto é, o autor do pedido, sabe(ou supostamente sabe) falar o idioma como podemos constatar no parágrafo seguinte:

 

“Não se esqueça de me trazer novos romances. Já acabei de ler o Primo Basílio que muito me fez chorar. O Dr. Pepe Esborracha emprestou-me Les civilisés e prometeu trazer outros livros quando ele vier. Veja se achas na livraria Garraux a Arte de Bem Escrever do Padre Albalat e La garçonne que dizem que é muito bonito e são as últimas novidades de Paris.

Não se esqueça de todas as minhas outras encomendas e traga também um par de sapatos de lona branca para Celiazinha.”

 

Um dos poucos momentos em que há diálogos de modo explícito, com a presença dos sinais gráficos como o travessão -  na narrativa, ocorre no EP 103.

O EP 117, O Emprestador de livro, traz novamente a referência aos livros com umm vocabulário ácido, sarcástico, vejamos:

“Uma recaída do resfriado de Celiazinha pusera outra vez em evidência a sabença calomelânica do Dr. Pepe Esborracha.” Qualidade atribuída ao doutor por causa da calomelano, Cloreto mercuroso, de qualidades purgativas. (in Dicionário melhoramentos).

 

Mais uma atualidade oswaldiana – com o sarcasmo costumeiro - está presente no EP 119 , “Companhia Industrial e Segurista de Imóveis Móveis aceitara o negocio depois do vesgo exame do grande advogado Bica-Bam-Buda.”

 

Agora, a partir do EF 129, cujo título é ATO III. CENA I, a narrativa traz elementos do teatro, provavelmente para indicar que os personagens encenam como atuarão perante os demais, numa associação com as pessoas reais, isto é, que fazem de conta, representam seus sentimentos, suas emoções assim quando querem. Também usados os termos

BASTIDORES”, EF 133.

No EP 135 O Poeta romano, nascido na França, o autor de Satiricon é citado; in Wikipedia.

 

Em A Denúncia, EF 139, o autor faz uma brincadeira com a onomatopeia do toque do telefone com o termo composto, tim por tim, isto é, um modo de se referir a uma narrativa contada nos mínimos detalhes.

No EF 140 dois momentos de diversão para adultos são citados: ! ] com a frase, “Tirei linha à vontade “, possivelmente uma gíria da época cujo significado não conheço; outras aparecem nesse mesmo espaço. 2º uma referencia a um bar muito conhecido mais adiante em outra obra literária, o Bataclan: Preciso identificar o significado desse termo, nome do prostíbulo de Gabriela, Jorge Amado, inclusive saber por que está separado por sílabas.

 

No EF seguinte, mais duas pérolas de figuras de estilo e com as de linguagem são usadas:

I - “Inventados inventários em maços de almaços” – aliteração com ironia

II – “Um silêncio ecoou a aparição do súbito homem célebre teso como um taco moreno.” Que lindo paradoxo:  silêncio que ecoa.

Em EF 143, “ E tia Gabriela sogra granadeira grasnou graves grosas de infâmias.”, mais uma brincadeira sonora com um claro propósito de se dirigir a alguém que não tenha caído no gosto do narrador.

A narrativa no fórum, EF 145, para os protestos contra o narrador, o título do capítulo é uma referência ao discurso repetitivo que ouviam, pois eram muitas as dívidas.

O EF, seguinte, cujo título, VERBO CRACKAR é um Fantástico poema para ilustrar a quebradeira financeira:

 

“Eu empobreço de repente

Tu enriqueces por minha causa

Ele azula para o sertão

Nós entramos em concordata

Vós protestais por preferência

Eles escafedem a massa

Sê pirata

Sede trouxas

Abrindo o pala

Pessoal sarado.

 

Oxalá que eu tivesse sabido que esse verbo era irregular.”

 

No EF “156. BATEM SINOS POR D. CÉLIA” Por que o geógrafo se chama assim e com este sobrenome?, “o eloqüente confrade e ilustre geógrafo, Dr. Pôncio Pilatos da Glória”. Por que nada fez pela exploração das terras devolutas desse país? Mais um sarcasmo do autor.

 

Em mais um diálogo do narrador com o eu-lírico, ambos criação do autor e sua verve inventiva e mais um poema nessa narrativa multi-gênero, o autor nos brinda com deliciosos versos quando vai nos aproximando dos momentos finais dessa jornada:

 

“158. RECREIO PINGUE-PONGUE

Miramar a vida é relativa

O acontecido não teria sido

Se nascesses só

Sem a mãe que te deixou virtudes caladas

O acontecido te ofertou

A filhinha de olhos claros

Abertos para os dias a vir

És o elo duma cadeia infinita

Abraça o Dr. Mandarim

E soma ele ao azul desta manhã

Louça”

 

“Nosso apartamento na casa art-nouveau de Madame Kolny, Praça  do Arouche frente ao pára-sol folhudo de D. Flor Vermelha, tinha dois quartos quadrados e um jardim de invernais orquídeas como saudades.” Uma referência a Mario de Andrade no EF 159. SERÃO DOS CONFORMADOS?

 

O EF160, um DISCURSO ANÁLOGO AO APAGAMENTO DA LUZ DURANTE O FOX-TROT PELO DR. MANDARIM PEDROSO, um capítulo que foge aos demais pela extensão: devo rever e reler. Mas não sei quando.

A narrativa é encerrada com ENTREVISTA ENTREVISTA, assim mesmo, repetido, Episódio-Fragmento 163, Um diálogo conclusivo e também uma conversa com o leitor.

 

Olha o nome do hotel, quanta semelhança com o sobrenome do personagem que dá nome ao título.

Sestri Levante Hotel Miramare. 1923.

 

 O texto usado para este ensaio foi o coletado no seguinte endereço, https://www.aedi.ufpa.br/parfor/letras/images/documentos/atividadesadistancia_jan2016/Francisco_ewerton/memorias_sentimentais_de_joao_miramar_-_%20oswald_%20de_andrade.pdf, acessado às 11:33h, do dia 24 de julho de 2021.

ATENÇÃO - RSRSRS - O texto não foi revisado pelo autor.

terça-feira, 30 de março de 2021

 O texto abaixo, um resumo estendido, foi apresentado no IX Encontro de Sociolinguística, ocorrido na UFBA, U. F. da Bahia, nos dia 01 e 02 de agosto de 2019,  cujo tema foi SOCIOLINGUÍSTICA : QUEBRANDO TABUS E INOVANDO NA ESCOLA. Torno público esse texto de apresentação somente agora porque o trabalho concorreu a uma vaga em publicação de uma revista científica dessa mesma Universidade.






A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO MÉDIO

Marcos José de Souza*

RESUMO: Nossa investigação tem como foco a presença da variação linguística como conteúdo de estudo nos livros de Língua Portuguesa do Ensino Médio, utilizados no período de 2001 a 2017, pelo autor desse trabalho como docente de Língua Portuguesa em uma escola no município de Fátima-Bahia. O objetivo geral é verificar como o tema deste trabalho aparece nos livros didáticos e o tratamento dado pelos autores via textos e atividades para o estudo dele em sala de aula. Para tanto fizemos a catalogação das 06(seis) coleções usadas naquele período, fazendo o levantamento preliminar de todas as ocorrências e localizando o momento em que o conteúdo aparece no livro didático (e quando aparece); em seguida analisamos todas as ocorrências de cada coleção. A segunda fase da elaboração do artigo deu-se com o cotejamento dos resultados da investigação daquela primeira fase, com algumas das principais autoridades no tema da Sociolinguística e ainda com o que dizem os documentos orientadores produzidos e divulgados pelo Ministério da Educação para o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Constatamos que o tema Variação Linguística está presente em 05(cinco) das coleções usadas e em todas as ocorrências, tanto os textos, quanto as atividades de compreensão e de análise primam pelo conhecimento e pelo respeito à diversidade da Língua Portuguesa. Entretanto, mesmo sob a égide combater o preconceito linguístico, alguns estereótipos permanecem, o que pode ser configurado com preconceito linguístico. São usados bons textos dos mais variados gêneros e tipos e de diversos autores nacionais, de todos os cantos do Brasil, incluindo trechos teóricos nos exercícios acima apontados. Este artigo tem uma relação direta com o nosso trabalho cotidiano na docência de Língua Portuguesa, pois enfatizamos a diversidade, inclusive com os exemplos do cotidiano dos nossos alunos, uma vez que a maioria absoluta é residente na zona rural e mesmo em um pequeno município como o nosso, a variação é presente, inclusive no meio em que os alunos vivem, sendo essa variação marcadamente identificada pela faixa etária dos sujeitos. Enquanto os jovens e as crianças frequentam a escola, os idosos não frequentaram e entre os adultos o índice ainda é baixo. Por este e outros motivos nossa sala de aula sempre foi um laboratório vivo, com diversidade linguística e, por extensão, cultural.

 

PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística; livro didático; Ensino Médio; Sociolinguística; língua portuguesa; Diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Médio

 

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

 Há algumas semanas que venho tentando escrever esse último texto para 2020 que versa sobre o filme PACARRETE, de Allan Deberton, tendo com estrela e protagonista, a grande Marcélia Cartaxo.



PACARRETE, ENTRE O RISO E CHORO DO ARTISTA...E DO TELESPECTADOR: A GARRA DE QUEM PRECISA DIZER, GRITAR, DANÇAR, PARA SER O QUE SEMPRE FOI

Esse filme foi visto na companhia do meu querido Ariel, meu filho mais novo, quando em Salvador estivemos para um breve passeio em alguns do ícones daquela cidade da Bahia. Visitamos a Igreja do Bonfim, almoçamos no Mercado Modelo, com vista para a Baia de Todos os Santos e fomos ao Espaço Itáu Cultural onde vimos e nos emocionamos com Marcélia Cartaxo, Pacarrete e o povo de Russas-CE, como figurantes.

O filme trata da vida de uma professora de ballet, que trabalhou em Fortaleza, mas sendo natural de Russas, após a aposentadoria, retorna à terra natal. Vive com a irmã, Chiquinha, e uma amiga, Maria, que faz as vezes de doméstica. A irmã está doente e vive em cadeira de rodas, sendo este o motivo, segundo a professora de ballet seu principal motivo para voltar a Russas. Vive um amor dito platônico, por Miguel, casado, dono de um bodega, com moradia próxima à da professora de ballet. A cidade vive  às vésperas das comemorações do seu bicentenário e Pacarrete.......quer fazer parte dessa festa, pronto, a celeuma foi armada

O impacto inicial dá-se na primeira cena na qual Pacarrete, toda em um vestido colorido com o vermelho em destaque,  mostra seus dotes artísticos ao lavar a calçada de sua casa, cantando com música cuja fonte de emissão do som não aparece em cena. E enquanto dança, lava, briga com os passantes que pisam sua calçada...

Pense numa cena empolgante em que essa foto acima indica um pouco....
Mas a vida de um artista que quer e precisa ser reconhecido, a vida de um artista em fim de carreira que precisa mostrar que sabe o que soube fazer a vida inteira, a vida de um artista formado em escolas ditas como de alto nível artístico em meio à pestilência da indústria cultural e do empresariado atual, a vida de um artista...a vida de artista...
Em meio à vontade de mostrar para seu povo, o de Russas, que ela é uma artista do lugar, vai ao encontro do Prefeito, do Secretário de Cultura de Russas, mas não consegue
Pra piorar sua vida de moça de "casa", perde uma pessoa querida

Pacarrete é um filme para rir e pra chorar...é um filme de artista para artista...é um filme de choque de gerações...é um filme que nos diz também: somos condenados à civilização. Duas das grandes cenas, dos grandes momentos da narrativa estão na foto abaixo, a outra, da morte de Chiquinha, fica para quem for ver o filme e curtir a emoção


Com um encerramento brilhante Pacarrete me marcou profundamente...me emocionou muito e amei muito mais  a partir das entrevistas do diretor, o Allan Deberton. Assistam...será um deleite ouvi-lo e, principalmente, ouvi-lo sobre Pacarrete, do filme e de vida dele


créditos das imagens, por ordem de exposição:
outraspalavras.net
adorocinema.com
adorocinema.com
cineset.com.br
oxereta.com

PS. Texto não revisado pelo autor. bjs