domingo, 19 de julho de 2020



AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CINEMA, O OLHAR, O FAZER CINEMA DE LEON HIRSZMAN















Nesta quinzena fizemos uma imersão no Cinema que traz o Trabalho e a formação brasileira, especificamente no trabalho de Leon Hirszman, especialmente nos filmes ABC da Greve e Eles não usam Black-Tie, de 1979 e 1981, respectivamente. Nesses trabalhos, que se complementam, ou melhor, dialogam entre si, mas com total independência, vida própria, tratam do cotidiano dos trabalhadores da região paulista denominada de ABC, centro da indústria automotiva brasileira, – dentro e fora das linhas de produção -  incluindo nesse cotidiano, o do lar. Com ênfase em “ABC...”, no primeiro aspecto, e no segundo, “Eles não usam...”.
Esses filmes, tratam explicitamente das relações de trabalho, incluindo nessa expressão, o modus operandi do trabalhador em ação, isto é, trabalhando e enfrentando os dissabores de um ambiente fabril periculoso e insalubre, sendo mal remunerado, bem como o potencial de organização de classe frente a esses problemas e outro, gerado pela reação àqueles problemas, a própria ação sindical. Isto é, a organização dos trabalhadores brasileiros, naquele momento histórico, também enfrentaram a possibilidade de organização quanto tiveram suas associações de classe interrompidas pelo Estado Brasileiro.
Como se não bastasse, o cotidiano do lar, desde a moradia, a ausência de ações/políticas públicas daquele mesmo Estado que intervinha na organização dos trabalhadores, não intervém para a superação dos problemas de ordem social, isto é, ruas sem calçamento e esgotamento sanitário, ausência também de áreas de lazer, problemas familiares internos, que vão desde os conflitos ideológicos, passando pelo de relacionamento em função de vícios, a perseguição aos povo negro – tal qual o capitão do mato de outrora, etc fazem parte da trama de “Eles não usam...”.
E é naquele viés  histórico abordado no final do segundo parágrafo que os filmes vistos também são lidos, uma vez que Hirszman também representa a história, no segundo, e em ambos, são agentes históricos e assim, se transformam em fontes históricas. Senão vejamos: o filme ABC da Greve um documentário que “cobre” algumas paralisações dos metalúrgicos da cidade de São Bernardo do Campo, SP, incluindo greve e manifestações públicas, tanto numa praça da cidade, quanto em um estádio de futebol. Portanto, o cineasta registrou fatos criados por trabalhadores, em reação à ação nefasta dos empresários daquele setor. Os acordos entre trabalhadores e patrões são fechados, mas a sensação de vitória não é total, mas demonstrou a força da organização da categoria. Apesar e por isso, os trabalhadores voltam à sua vida comum, insalubre e perigosa, dentro e fora da fábrica. Vê-se ali a quase totalidade da força masculina, com baixa escolaridade e com pouca, mas muito pouca presença do povo negro.
A representação histórica dá-se em Eles não usam Black-Tie, que mesmo sendo uma obra de ficção traz indícios de um evento histórico – as greves e movimentos socias daquele período e também tratados em ABC ... - cujo roteiro é fruto de uma peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri, que também participa do filme. O enredo gira em torno de uma família composta por 04 membros, a mãe, o marido e dois filhos. E é entre o pai e o filho mais velho que vemos as ideologias em choque, as mesmas vistas entre patrão e empregado em ABC , quando o filho não coaduna com a postura do pai, já experiente na luta por melhores condições de vida – trabalho, renda, moradia, lazer – inclusive já tendo sido preso por essa postura. Acusa o pai de que a luta não os levou a lugar, “além dessa merda de vida”, ao passo que o pai retruca dizendo que sem luta a vida não faz sentido e que a postura do filho somente fortalece o patrão que é o causador da situação pela qual ele, e milhões de brasileiros continuam assujeitados.
E ambos, 40 anos depois, são vistos e revistos desde seus lançamentos, contribuindo para a formação do pensamento político brasileiro no que tange às  relações de trabalho de uma determinada categoria de trabalhadores frente às lutas que forjaram, de um tempo histórico – estávamos no limiar do ocaso de Ditadura civil-militar, em uma determinada região do país, a mais rica, diante da ação arrocho salarial, de quebra de direitos – políticos, sociais e trabalhistas – de uma classe social que somente via e vê o próprio  lucro, com posicionamento idêntico ao dos escravocratas e dos industriais britânicos do alvorecer da Industrialização.
Vale ressaltar que o tema Trabalho no cinema brasileiro é pouco recorrente, mas não é recente, cujos temas mais frequentes giram em torno da industrialização brasileira alocada em São Paulo, incluindo nessas temáticas, tanto questões de ordem coletiva, quanto individual, notadamente influenciada pela primeira. Isto é, alguns filmes centram a trama em um indivíduo e seus conflitos pessoais, os quais são determinados pelos problemas da coletividade. Outras tramas “focam” a cidade  e seus desdobramentos sociais e econômicos gerando conflitos individuais e coletivos, mas em todos vê-se a perversa ação do capital frente coisificação do homem, para a obtenção do lucro, do poder, da hegemonia de poucos, o patronato, frente à diminuição recorrente do poder de compra, do nível social, econômico e cultural de muitos, os trabalhadores.
Frente a essas constatações, a essa realidade social, à exploração da classe trabalhadora, o Cinema de Leon Hirszman, nestes filmes aqui vistos e em outros, tem contribuído tanto para a denúncia, quanto para o esclarecimento do modus operandi do capital nesta nossa periferia, o Brasil. O Cinema de Hirszman inquieta, provoca, pelo visto, e de acordo com diversas pesquisas já realizadas sobre seu modo de fazer Cinema, ao mesmo tempo que nos informa e entretece, apesar do que se vê em suas películas.
 Mas a arte, e o Cinema é uma delas, tem vários propósitos, conflitantes, às vezes, mas um deles é este: (in)formar. Ser sujeito e atuante do seu tempo, sendo também ele próprio, o artista, um agente da História, marcando nesta também, o seu lugar.

sábado, 11 de julho de 2020


 









 
O Cinema e a Literatura e o Cinema e a História há mais de um século vem construindo olhares, dialogando saberes, criando arte. Revivendo, revisitando, contestando, criando novos olhares, novas possibilidades de arte. É o que vem nos propondo Sergio Rezende nestas duas semanas ao revisitar elaborando novas(?) narrativas para fenômenos e pessoas historicamente situadas na História do Brasil, oficial ou não, mas que marcaram seu tempo e seu lugar na vida desse país. Mesmo atribuindo o substantivo “pessoa” sabemos que elas agiram dentro de circunstâncias coletivas, direta e indiretamente.
As pessoas às quais me referi acima são as mesmas que dão nomes aos filmes, trata-se de Lamarca e Zuzu Angel (já analisada em momento anterior a este), cujas vidas se entrelaçam movidas por interesses semelhantes e agora, temos um episódio histórico, a guerra de Canudos, uma ofensiva do Governo da União, via ação do Exército brasileiro, em terras brasileiras, que ocorreu no final do século XIX, no Estado da Bahia, onde hoje se situa o município de Canudos. Outro diferencial desta película frente às duas primeiras é que o diretor além de dialogar com a História, como ocorre com as demais, também recorre à Literatura para produzir seu roteiro e sua obra, o filme, lançado em 1997, Guerra de Canudos.
Para tratar do tema – episódio histórico – Rezende faz uso direto de romances(?) de dois autores consagrados pelos trabalhos realizados sobre este mesmo episódio, a guerra de Canudos, a saber, O Rei dos Jagunços, de Manuel Benício e Os Sertões, de Euclides da Cunha, sendo esta segunda consagrada como obra prima nacional e internacional como análise explicativa deste momento/episódio da nossa história. Vale ressaltar que foi publicado um livro sobre a produção deste filme cuja autoria esteve a cargo da esposa dele, Nilza Rezende, no qual afirma-se que a película tem como fontes de informação os livros citados acima.
A película traz um diferencial, para quem conhecia a história do episódio, ao colocar como protagonista um núcleo familiar e dentro, a filha mais velha, Luísa, assume a liderança diegética. O diferencial, frente ao título do filme e ao conhecimento do momento episódio, deve-se ao fato de que a guerra foi motivada pela existência de um beato peregrino, Antonio Conselheiro que com seu séquito, fundou uma cidade, o Belo Monte e lá construiu uma sociedade com tendências igualitárias onde toda a produção era dividida para todos, possuindo códigos de ética e de conduta próprios, enfim uma microssociedade brasileira alheia à República recém instalada.
Com a cidade se desenvolvendo sua vida diferenciada e tornando-se conhecida pelas imediações não tão próximas assim, foi conquistando ainda mais adeptos – cuja conhecimento advém das andanças do líder, Antonio Conselheiro – e adversários, dentre eles, o governo baiano, inicialmente, e depois o governo federal, que começam a agir contra aquela população. Outro grande adversário que foi sendo construído ao longo da caminhada de A. Conselheiro foi a Igreja Católica que perdeu adeptos e força perante  a população da região frente ao carisma do líder que segundo consta, pregava e praticava boas obras e acolhia os necessitados, se alimentando pouco, dormindo em situações precárias, até no chão, diferentemente da Igreja que somente exercia poder e controle sobre os fieis e usufruía dos beneplácitos das ofertas desses mesmos fieis.
O período histórico abordado pelo filme é de 04(quatro) anos, portanto um bom tempo de vida para uma cidade construída à mão e em tempo também reduzido, haja visto que a vida de peregrinação do seu líder começara no Ceará e, a pé, pelos sertões de todos os Estados da atual região Nordeste, exceto o Maranhão, temos praticamente uma década de vida

E do que trata, então, a película? Partindo do próprio título Guerra de Canudos, temos a ação do governo republicano e suas novas regras de convivência e de subserviência, aliadas à intimidação e violência com a investida do Exército  contra o povo do Belo Monte e contra a própria cidade, pois como vimos, ela foi incendiada, mesmo tendo sendo vencido o conflito bélico. Internamente à ação desses atores temos outro núcleo gerador da narrativa – a família de Zé Lucena -, citado acima, tendo como protagonista desse núcleo o personagem Luísa. É ela quem faz o contraponto entre os antípodas Belo Monte e Exército.
O filme vai intercalando o conflito com a vida de Luísa: inicialmente sua fuga de casa, em pleno momento em que A. Conselheiro e seu séquito convidam a família dela a seguirem juntos. Em seguida sua vida de prostituta, quando começa a analisar a nova vida que surge no sertão, ao se envolver com um barão, a ouvir relatos de soldados, da gente do lugar e até mesmo de quem participa da guerra, nos campos de batalha. Daí, casa-se com um soldado desertor, o que lhe dará mais informações e experiência de vida, inclusive morando no campo de batalha.
Por fim, ao perder o marido para a guerra, passa a conviver com um tenente, já nos momentos finais do conflito, quando tem os últimos contato com a família – já sem o irmão – Luísa vai entendendo que ao mesmo tempo que incompreendeu A. Conselheiro, o Exército é exatamente o contrário do que apregoa, pois vê o atual companheiro lançar bombas sobre as casas e também vê a própria mãe ser assassinada pelos soldados, mesmo já sob o controle deles e com as mãos amarradas.
Desse modo e pelo exposto acima, temos em Guerra de Canudos, de Sergio Rezende, uma obra de cunho histórico, fez história dando destaque, visibilidade, a um episódio histórico importante para o povo brasileiro, mas com pouca penetração no universo escolar e cultural deste país. Por esses motivos consideramos ser o diretor um cineasta historiador e seu filme agente histórico, uma vez que o tema é de pouco conhecimento popular e sua produção diminui esse fosso, em face principalmente de que sua primeira versão foi uma minissérie televisiva, portanto de forte apelo popular. Também o consideramos uma fonte histórica haja visto essa popularização alcançada via televisão em tempos de informação “fast-food” (rapidez no acesso, porém com difícil ou nenhuma absorção) por meios eletrônicos e digitais, isto é, além dos livros e artigos e outros fontes textuais que tratam do tema, temos a Guerra de Canudos em filme, uma opção para os novos pesquisadores.




domingo, 5 de julho de 2020



Cinema, Documentário e Ficção: qual a "fidelidade histórica?"


O que é a história em O que é isso Companheiro? e em Hércules 56?





Com essas perguntas simples pretendemos dissertar sobre os dois filmes lidos, analisados e discutidos nesta semana que hoje se encerra, O que é isso, companheiro, de Bruno Barreto, 1997 e Hércules 56, de Silvio Da-Rin, 2007. Enquanto o primeiro propõe-se como um filme de ficção baseado em fatos, portanto também em pessoas, instituições, entidades reais, o segundo, é um documentário feito a partir e com os depoimentos de quase todos os participantes do evento que deu origem a ambas as películas, a saber, a captura do embaixador dos Estados Unidos, fato ocorrido em setembro de 1969.
Pelo exposto acima os filmes foram realizados com uma década de diferença entre ambos e do próprio evento, 28 e 38, anos respectivamente, ao primeiro e segundo filmes. Mas por que trago essas datas e limites temporais? Para nos lembrarmos de que cada um responde ao seu momento histórico, ao contexto político em que cada um foi criado.
O filme de Bruno Barreto pertence ao pós abertura política, ocorrida nos anos de 1980, consolidando o renascimento da democracia no país e em pleno governo de Fernando Henrique Cardoso, à época do episódio real, também fora vítima da sanha ditatorial do governo brasileiro, portanto, alguém “sensível” à exposição, mesmo que representativa, dos fatos históricos recentes do Brasil. Já o filme de Da-Rin, pelas leituras realizadas, intrínsecas ou não à nossa disciplina aqui, nos revelaram que ele aconteceu muito mais como resposta às reações negativas ao filme de Barreto, feitas a partir de novos programas de incentivo à produção cinematográfica brasileira, promovidas pelo Estado e suas Fundações e Autarquias. Em ambas as produções a legislação estava sendo usada.
E o que temos em O que é isso companheiro?: um filme de aventura promovida esta ação por um grupo de jovens que entraram na luta armada contra a Ditadura civil-militar implantada no Brasil há cinco anos. São membros de duas entidades políticas organizadas com o fim de tomarem o poder e dentre suas ações promovem a captura do embaixador dos Estados Unidos para usarem como moeda de troca por prisioneiros políticos das mais variadas “tendências” políticas de esquerda. Ideia concretizada em pleno sete de setembro, isto é, a soltura do capturado e os companheiros soltos e exilados no México.
À época o filme teve boa aceitação de público, mas a crítica e principalmente os participantes do evento, não viram com bons olhos a obra e sobre ela teceram severos comentários como, por exemplo, a crítica: o filme é um melodrama hollywoodiano e o personagem principal é o embaixador. Já os participantes rechaçam a liderança de Fernando Gabeira (autor de um livro de memória sobre o episódio homônimo ao filme sobre o qual Barreto se baseou) e outros detalhes do processo de captura do embaixador.
Por sua vez Da-rin promove uma releitura histórica e constroi seu filme a partir de depoimentos, divididos em dois grupos de participantes: o primeiro, reunido em torno de uma mesa, cinco pessoas e o diretor, numa sala com pouca iluminação, tal qual uma mesa de bar e ao mesmo tempo uma sala de depoimentos à polícia. Todos falam sobre o pré, durante e pós episódio; o segundo, individual, isto é, cada entrevistado em sua própria casa, incluindo dentre esses Agonalto Pacheco, em Aracaju. A ideia que tive desse exposição e modus operandi de depoimentos foi o de que o primeiro grupo estava livre, mas havia a sombra da clandestinidade e das prisões, enquanto o segundo, a liberdade no sentido estrito, em sua própria casa, em seu lar. Outro detalhe do grupo em torno da mesa foi o de que as ideias diferentes foram postas “à mesa”, incluindo questões reveladas durante a realização do filme, isto é, houve espaço para o debate, para o contraditório.
Entretanto o que se abstrai dessa querela é a verdade histórica sobre um episódio importante da recente história política do Brasil. Enquanto Barreto se propôs a fazer uma leitura particular, sobre um episódio e baseado em uma obra literária, Da-rin propôs-se a construir um documento histórico via depoimento. Em ambas as situações temos duas visões limitadas, uma vez que aquilo que passa na tela é parte de uma paisagem, portanto não é a verdade absoluta. Enquanto o primeiro passou de cinema como fonte histórica a cinema como representação histórica, o segundo é majoritariamente cinema como fonte histórica, pois fora construído com os participantes de um evento real e elaborado como resposta ao primeiro. Como agentes históricos somente o tempo posterior a este nosso irá dizer, o que até o momento não temos informação dessa força de ambas como produtores de história para além da própria cinematográfica.



segunda-feira, 29 de junho de 2020


Cinema como agente histórico II: utopias, distopias contemporâneas


Nesta semana fomos brindados e presenteados com dois exemplos, bons, de filmes antípodas, mas que se retroalimentam o tempo inteiro para tratar de dois tempos humanos quanto à sua vivência e convivência, qual seja, a utopia e não utopia – redundante? – ou seja, a distopia. Aproveito o ensejo para felicitar nosso professor da disciplina pela feliz indicação de leituras fílmicas e na sequencia sugerida para assistirmos. São eles, O Invasor, de Beto Brant e O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho.
Se no primeiro filme somos conduzidos, arrastados, atropelados pela invasão não concedida, tendo em vista o convite feito por uma das partes, ao ser protocolado um  negócio, o qual vamos ver que se desdobra e redobra para dentro de si; no outro, temos o lugar “sossegado” de uma gente que pensa estar imune ao que a rodeia, apesar do “som” permanente, diário. Essa sequência de exibição é que vai provocar ainda mais no estudante/leitor/pesquisador uma ansiedade não saciada de lugar em constante ebulição, mesmo que esta efervescência seja perceptível, ou não.
Buscando nossos referencias filosóficos quanto aos termos destacados na semana, vimos no dicionário de Nicola Abbagnano e também explorada pelo nosso professor, que utopia trata-se de um nome dado a uma ilha pelo escritor Thomas Morus, na qual a vida beirava à perfeição. Entretanto, muito antes dele, o filósofo Platão também “criaria” um modo de vida na cidade, mesmo sem nomear como utopia, mas que preconizava uma sociedade nos moldes estabelecidos séculos após por Morus.
Quanto ao termo Distopia, não é encontrado em Abbagnano, e seu surgimento ocorreu séculos depois de Morus criar seu romance político, exatamente para designar uma vida contrária à vista ali em A Utopia, isto é, a vida distópica passou a ser aquela em que a elaboração humana não conseguia promover o bem estar de toda a sociedade, principalmente pela força da opressão do poder contra a população, simplificadamente falando.
Beto Brant nos traz a “vida” da nossa metrópole, São Paulo, no microcosmo da empresa de Ivan, Gilberto e o terceiro sócio, vítima da ação nefasta daqueles dois, cuja narrativa não nos esclarece a razão por que os dois o mandam matar. Deduz-se pela diegese que o sócio assassinado descobrira “algo de podre no reino da Dinamarca” daquela sociedade empresarial. A vida cheia dos  prazeres e das benesses que as famílias dos sócios dispunham, advindas do trabalho e das relações políticas da empresa, criavam uma aura de vida perene para além da normalidade, ou como dizem por aí, uma vida para além daquelas vividas pelos simples mortais. Entretanto o nosso ímpeto não disciplinado, domesticado, pode criar uma ou mais situações que desmoronam qualquer construção, por mais alicerce que ela tenha. Eis que a vida normal é atropelada, é invadida.
A câmera em O Invasor era rasteira, horizontal, valorizando o olho no olho, a rua, o movimento dela, que mesmo sendo em São Paulo não tivemos tempo para os arranha-céu, para as buzinas dos automóveis e seus intermináveis congestionamentos. Vimos e ouvimos cores fortes, misturadas, vimos e ouvimos músicas da periferia, diegeticamente ou não. Destaco duas cenas que ilustram a invasão e que desencadeia a distopia, simultaneamente: o momento em que Anísio, o matador, adentra o escritório da empresa pela primeira vez, não mais para receber ordens para matar outra pessoa, mas para ser o novo sócio, à maneira dele, daquele escritório. O segundo momento é quando Ivan, o sócio arrependido, mandante do crime, que ao se entregar à polícia tivera a sensação momentânea de estar a salvo, mas descobre que fora devolvido aos agora algozes, antes parceiros dos crimes do próprio sócio.

Mas o passado te condena. Foi assim com um “ilustre” morador e “dono” de uma rua da cidade do Recife vai nos revelando/descortinando aos poucos, mas a dica foi deixada no início da película quando fotos do canavial e sua gente que manda e também que trabalha, são expostas. Até mesmo o ilustre Gilberto Freyre(ou é alguém bem parecido?) dá o ar da graça nessas fotografias, aliás, signo de poder em tempos não muito remotos, o de ter fotografias em casa: político e econômico.
Nada mais desejado para grande parte da população o de viver em tranquilidade, mas nada que está posto é garantia de suavidade, de perenidade...é o que vemos e vimos em O Som ao redor. O cotidiano nos rondando, sorrateiramente, sendo parte da casa, da rua, da rotina. Os sinais do passado reaparecendo, insistindo em aparecer, forçando a porta, delicadamente, mas forçando.
Ali no chão do Recife, parafraseando o poeta da musica pernambucana, com referencia moscovita, o Lenine, a vida pulsa, mesmo que de modo transverso, estando o passado também ali. E por isso, devagar, sem ser monótono, Kleber Mendonça Filho nos apresenta um passado presente e, delicada e discretamente, temos um, dos dois filhos de Antonio, também assassinado a mando, por Francisco, a olhar para o quadro exposto na parede da sala. Um olhar à sua direita, por sobre o ombro, mas percebido pelo permanente usineiro, grileiro de terras de massapê.
Nesta oportunidade, a empresa não existiu, mas os interesses espúrios de um, representante de uma família poder, destruiu a vida simples de uma família que vivia o seu mundo simples, a qual teve a infelicidade de fazer-se cruzar a vida de um latifundiário e usineiro, dono, dono, dono.
As cadeiras caem e no festim da família remediada, ao lado, os cães fogem e eles sorriem...por que o som ao redor os incomoda.
À guisa de conclusão e de analogia temos dois mundos possíveis no cinema nacional contemporâneo, sendo um representante do eixo político e econômico que perdura há 03 (três) séculos, tratando de um lugar comum, estes poderes naquele lugar. O outro, um locus que “desponta” para o poder, fazendo uso de uma paisagem fílmica também não comum. Desse modo, e a partir do exposto, apesar de que me faltam maiores e mais aprofundados elementos, momentaneamente, mas faltam-me, parafraseando uma das nossas interlocutoras, a pesquisadora Lúcia Nagib, considero que o cinema brasileiro alcançou o seu projeto utópico, esteticamente falando.  


domingo, 21 de junho de 2020


O CINEMA COMO AGENTE HISTÓRICO DE SEU TEMPO À LUZ DE TEORIAS TAMBÉM LOCALIZADAS EM SEU TEMPO HISTÓRICO


 


O cinema, a partir de sua multimaterialidade artística, transformou-se em Fonte, em Tecnologia, em Sujeito e Meio de interferência na e para a História e nesta última, podendo ser agente histórico, quando nela interfere, direta ou indiretamente; fonte histórica quando “funciona” como exemplo, espelho ou até parâmetro para identificar-se determinado momento histórico e ainda pode, o Cinema, ser Representação histórica à medida que a ficção e dados históricos se fundem, com a supremacia de um – a ficção, ou de outro – os dados, para a confecção da obra cinematográfica.
Neste momento daremos ênfase ao cinema como agente histórico, a partir dos filmes vistos, a saber, Rio 40 graus (R4G), de Nelson Pereira dos Santos, lançado em 1955 e Cidade de Deus (CD), de Fernando Meirelles e Katia Lund, lançado em 2002, portanto 47 anos de diferença entre as obras. Mas por que faço essa referência? Pelo fato de ambos terem a cidade do Rio de Janeiro como espaço geográfico real, mas historicamente separados por quase 05(cinco) décadas de transformações sob muitos aspectos, mas nem tanto no campo das diferenças sócio-econômicas.
Entretanto a Estética vista nas duas películas nos permitem vislumbrar dois modos de exibição da cidade, enquanto em R4G vemos uma nova geografia humana dominar a tela, quando um grupo de garotos negros, com ausência de família tradicional, vive de vender amendoim em alguns pontos turísticos da cidade, dentre os vários ali existentes. Nelson Pereira nos convida a passear por uma cidade que ao mesmo tempo vibra com o gol no Maracanã, também “assiste” a um dos garotos, quando, em pleno exercício do seu trabalho é atropelado e morto – estava sendo perseguido por um adulto, branco que explorava outras crianças. Em R4G o morro, endereço do povo negro e pobre, faz parte da paisagem e das relações sociais, mesmo que nas condições ali apresentadas: de um fosso sócio-econômico que o separa do asfalto, da praia, dos pontos turísticos. Esta é a “paisagem” urbana e humana que ele nos apresenta e expõe ao mundo, o que levou sua produção a ser censurada pelos motivos mais fúteis, como por exemplo, o de que naquela cidade a temperatura era mais baixa que a indicada no título.
É este novo modo de representar a vida de uma cidade que já era denominada maravilhosa que o diretor impõe ao seu filme a dimensão, o papel de agente da história. É ele, considerado o precursor do que veio a ser considerado como Cinema Novo, grupo de cineastas responsáveis por um novo modo de “mostrar” o Brasil aos brasileiros e para o mundo, sem tornar sua cultura e sua gente, seu espaço geográfico, peça de souvenir, de atração turística, de enfeite. O cinema a serviço da emancipação social, política, cultural.
Mas anteriormente nosso texto afirma que o nosso segundo filme, Cidade de Deus, tem a cidade do Rio de Janeiro como espaço geográfico real e o que diferencia – se é que há diferença - com R4G?
O que faz movimentar CD, isto é, o timoneiro de sua narrativa é a vida de Buscapé, um aspirante a fotógrafo, em meio às transformações do conjunto habitacional onde mora, a Cidade de Deus – ironia, ou sarcasmo do poder público em dar este nome ao lugar? -para onde o governo do Estado aloca diversas famílias, antes moradoras de regiões de interesse de outros sujeitos, provavelmente, detentores do poder constituído oficialmente, ou não.  
Em duas horas o espectador “vive” 3 décadas da vida daquela gente, isso mesmo, somente daqueles indivíduos, cujo principal meio de subsistência é o tráfico de drogas. A “impressão” que se tem é esta, a de que aquele locus não possui ligação com outras partes da cidade, com moradores de outros segmentos sociais. O povo negro e sua violência gratuita, desenfreada, seu autogerenciamento, são as células que compõem aquele organismo quase saltando da tela para o colo, para a cara do espectador.
O filme ganhou prêmios nacionais e internacionais, da mesma forma que R4G, entretanto cada um a seu modo e à sua intenção: o primeiro de revelar o quadro mais complexo possível de uma geografia, o segundo, o de atingir um público, mais amplo – vide o novo tempo em que foi feito e exibido, início do século XXI – cujo fruto é o lucro financeiro. Para alguns, CD, é produto da Cosmética, pois “representa” um dado tempo histórico, explorando os já explorados, tornando-os sujeitos, participes de sua exploração e deglutindo-se entre si, uma espécie de auto-flagelo, ou auto-destruição. E apesar disso e por isso, fez história.
Parafraseando Walter Benjamin, em seu texto A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, ao se referir à potencialidade do Cinema frente à apresentação da realidade, vemos que com a técnica cinematográfica temos  a possibilidade de não sermos manipulados pela técnica da arte, pois a realidade nos é mostrada com a ajuda da técnica. Diante desse aparente paradoxo e fazendo uma analogia sobre dois filmes “cariocas”, separados por 4 décadas, com duas intenções artísticas, nos perguntamos onde e como o filosofo alemão nos ajuda a compreender os valores estéticos e éticos de cada um dos seus autores.
Essa indagação indireta tem seu valor principalmente por que um elemento dessa relação: produtor-produto, não foi abordado nesse texto, o espectador, afinal a arte é para ser vivida em sua plenitude, isto é para alguém ver, sentir, apalpar, se emocionar. E tecer maiores comentários, por falta de elementos do autor desse texto, deixaremos em aberto esse elemento da relação produtor-obra-espectador. E ao seu modo tivemos dois filmes como grandes agentes históricos, imbuídos de sua Estética intencional, em seus tempos respectivos.


domingo, 14 de junho de 2020




Qual a representação da mulher no Cinema Nacional em Parahyba Mulher Macho, Eternamente Pagu e Cabra Carcado para Morrer?

A cultura, em seu sentido amplo, sempre guiada pelo homem branco, e com o Cinema não foi diferente, o que se constata, tanto por Alômia Abrantes da Silva em capítulo de sua tese, intitulado, Anayde Beiriz e a (re)invenção da “mulher macho”, como em outras diversas pesquisas e até mesmo pelo contato que temos com as produções como em uma simples leitura da ficha técnica dos filmes. A hegemonia branca masculina na produção, direção e atuação, do Cinema em todo o mundo, particularmente no Brasil, como me referi acima, confirma essa maioria que destaca somente o quantitativo de diretoras, 03(três), frente a um universo de 87(oitenta e sete) diretores, como podemos ver na referência indicada acima neste parágrafo.
A partir desse minúsculo exemplo outra pergunta surge, é possível fazer a representação da mulher no Cinema já que ela não existe? Assim nos provoca nosso interlocutor e professor Hamílcar.
Se consideramos a segunda pergunta dentro o que vimos nos filmes vistos e destacados aqui, sem pestanejar, nossa resposta é afirmativa. Primeiro pelo título – temos dois termos femininos no primeiro e um substantivo próprio no segundo. O terceiro derruba nossa tese, mas ela é reerguida a partir da sinopse, cujo destaque, cento da narrativa, é uma mulher. O fortalecimento para nossa tese afirmativa também se confirma quando temos nos dois primeiros, na direção, uma mulher.
O que une as três películas é a centralidade do debate, da narrativa, em torno da liberdade feminina, do ser mulher no mundo, dominado pelos homens brancos. Algumas outras identidades unem duas películas em torno de um outro elemento, a saber: o primeiro, EP e PMM, as protagonistas são contemporâneas entre si, escritoras e livres do ponto de vista sexual e do relacionamento amoroso e social; em PMM e CMM, ocorrem no Estado da Paraíba e ambas protagonistas envolvidas com a Política. Entretanto eis que elas demonstram seus protagonismos, com um diferencial, o mote para a realização do terceiro filme, daqui em diante CMM, é o da documentação da vida de um líder camponês no interior da Paraíba, mas com o assassinato dele, a viúva ganha o destaque e ascende como mulher e não somente como viúva.
A seguir alguns comentários particulares para cada filme:
Em EP, mesmo sendo desconhecida do público, inclusive o dito intelectual, vê-se problemas que foram causados pelos próprios atores, afinal estamos vendo um filme sobre uma pessoa que viveu intensamente seu tempo de modo atemporal, sendo mulher em um mundo masculino. Uma pessoa que produziu intelectualmente, amou livremente, atuou politicamente, portanto, marcou o seu lugar no tempo e na História, com suas histórias, com seus papeis, reais.
Começando pela atriz principal que interpreta a protagonista, uma personagem que não correspondia ao histórico, nem da interpretada, muito menos da figura real. Seu semblante era praticamente o mesmo, inclusive em momento que alternava dor e alegria. Este foi o maior responsável pelo fracasso do filme, fato do qual não era merecedora a diretora, antes uma das maiores atrizes do Brasil e do mundo, mas acabou escolhendo mal “sua Pagu”. O saldo positivo foram as atrizes que interpretam Tarsila do Amaral e a irmã de Pagu, Sidéria. Esta atriz é quem deveria ser a protagonista, dentre aquelas que aparecem na película, afinal é despojada e quando ri, chora, entristece, alegra-se, marca com profundidade cada destes sentimentos como requer uma “interpretação”.
PMM tivemos um ambiente contrário ao de EP, atores e atrizes despojados, “encarnando” seus personagens, sendo seus sujeitos históricos, isto é, emocionando a plateia com suas performances.
Se o que sabemos, pouco do mesmo modo que Pagu, a respeito de Anayde Beiriz, tivemos uma atriz que personificou uma mulher livre, independente e produtiva. Cuja coragem e destemor ficaram latentes em cada momento da narrativa fílmica. Nos mesmos filmes também tivemos homens que gravitavam em torno da protagonista, atuando diretamente ou não às mulheres, nos fizeram viver aquele tempo histórico via representação.
Anayde foi estudante, Anayde foi mulher, Anayde foi escritora, Anayde foi amante, Anayde foi trabalhadora, Anayde foi professora. Mas Anayde não foi filha, Anayde não foi vizinha, “circunstâncias” que mereciam algum destaque na narrativa em face de seu comportamento atípico, historicamente falando.
E o que temos e o que vivemos em CMM? Diferentemente dos dois filmes anteriores, sobre a motivação e os modos da produção, temos um documentário que nasceu inicialmente pelo acaso, em seguida, na sua elaboração, interrompido pelo Estado Brasileiro, e retomado 17(dezessete) anos após a sua interrupção.
Como apontado inicialmente acima, o documentário teve como primeira motivação o registro da vida de João Pedro Teixeira, líder de lavradores e da politização desses mesmos atores sociais, no município de Sapé, zona da mata paraibana. Por que o acaso levou o documentarista a registrar esta situação? Ele e sua equipe estavam em caravana com lideranças culturais da UNE a fim de implantar núcleos dessa entidade em diversos pontos, quando souberam do assassinato do líder dos trabalhadores rurais.
Ao tomarem conhecimento do histórico das lutas daquele povo, e das circunstâncias do assassinato, 03 (três) anos depois com nova equipe aportou no interior da Paraíba a fim de iniciar as filmagens do documentário. Eduardo Coutinho aporta na Fazenda Galileia para registrar o cotidiano daquele povo e, principalmente, reconstruir representativamente a história de João Teixeira e os sindicalizados. É nesse contexto que surge a força de uma mulher, uma mulher de fibra, mesmo que em fuga dos seus algozes, a senhora Elisabete Teixeira, viúva do nosso cabra marcado, o João Teixeira.
Por que a fuga? Com o golpe civil-militar no qual todos esses atores sociais estavam envolvidos contemporaneamente, qualquer pessoa poderia ser considerada inimiga do novo governo e aqueles e aquelas que se organizavam em sindicatos e afins, eram definitivamente inimigos da pátria. Desse modo, ou a prisão, quase sempre seguida de morte nos porões da Ditadura, ou a fuga. Esta segunda opção foi abraçada por Elisabete, deixando para trás 09(nove)filhos.
Localizada por Coutinho 17(dezessete) anos depois, temos não mais a viúva, somente, mas uma líder comunitária, mesmo com outras ações, tornara-se professora em sua própria casa. Com a entrevista foram sendo reveladas suas facetas de companheira daquele líder, não somente esposa, mas parceira de luta. Rebelde com a família, pois casara-se a contragosto do pai.
Em todos os momentos sua fala revelava sua fortaleza e esclarecimento sempre em ascensão, a despeito de ter somente o 2º ano primário. Não agradeceu ao Presidente da República pelo início da abertura política, afinal sempre destacou que a luta precisava continuar, pois os motivos ainda continuavam: opressão, analfabetismo, latifúndio e todos os males que as diferenças sociais causaram e ainda causam à Nação.

Retomando as inquietações provocativas dos questionamentos do início do texto, podemos observar nos filmes vistos nesta semana que tivemos mulheres representadas no sentido de pessoas sujeitas de sua própria história, a despeito da sociedade masculina em todas as narrativas, mulheres em seus mais diversos papeis sociais: poeta, agitadora cultural, professora, líder sindical. Entretanto no conjunto fílmico desta nossa jornada, a mulher não existe, uma vez que o olhar é masculino e branco, escolarizado ou não, na maioria absoluta das películas.


sábado, 6 de junho de 2020



Cinema como construção da História a contrapelo? Crônicas históricas da escravidão no Brasil por Cacá Diegues






Nesta última semana nos voltamos para um episódio, longo episódio da História do Brasil, a escravidão de povos africanos. Apesar da temática, as narrativas trouxeram momentos de luta pela liberdade, de organização popular, de resistência e de capacidade tanto de sobrevivência, quanto de luta e principalmente, capacidade de vivência.
Nosso desafio posterior ao debate, que foi alimentado pelos filmes Ganga Zumba, Xica da Silva e Quilombo, todos de Cacá Diegues, por textos sobre os filmes e um texto teórico sobre História e Conhecimento Histórico, foi o de pensar em que medida esses filmes podem oportunizar um debate contemporâneo, historicamente falando.
O presente registro das nossas impressões dar-se-á somente com a tentativa de fomentar leituras e análises das teses formuladas por Walter Benjamim, em seu texto Sobre o conceito de História, o qual é estruturado em teses pequenas, registradas aqui somente aquelas indicadas por nosso professor da disciplina, dentre as quais acrescento somente uma, a de número 12.
T6 - A existência da tradição – por que ela existe em nossa Nação? A escravidão e seu reflexo com a divisão social ainda presente no cotidiano brasileiro.
T7 – Rever a História, um dado momento histórico, é preciso esquecer a posterioridade desse dado instante e rever o contrário do que o discurso oficial estabeleceu, por isso Palmares, como representante maior da luta e da vida do povo negro brasileiro, é outro com Cacá Diegues, nos dá outra perspectiva de representação.
T8 – O conhecimento histórico e o acontecimento são a regra. Os filmes de Cacá Diegues, mesmo sendo uma obra de arte, isto é, saber humano muito mais suscetível ao olhar/ao pensar de quem o faz e ser carregado do elemento poético na sua elaboração, nos revela que há outras regras possíveis para o conhecimento histórico e para a História. Dentre os filmes destaco nesta tese Xica da Silva, produzido em plena Ditadura civil-militar, no qual a narrativa nos traz uma escrava dotada de coragem para falar, para ser e agir como uma afro-brasileira, no sentido mais amplo desta palavra.
T9 – Estamos condenados à Civilização. Essa é a máxima com a qual Euclides da Cunha, em Os Sertões, impunha à catástrofe anunciada para e pelo século XX. A tempestade “natural” impulsiona o progresso que destroi a História, isto é, a própria Humanidade e dela não podemos escapar.
T12 – O que a História e o conhecimento histórico permitem a longa vida, a posteridade, é aquilo e aquele que não possibilita a subversão, a derrubada/tomada do poder. Desse modo Cacá Diegues nos alenta que outros líderes, outro locus (e outros locais) de resistência, de luta e de liberdade existiram com feições próprias, ou de modo mais amplo, com sua própria cultura.
T13 - Assim como estamos condenados à Civilização, vide T9, temos o Progresso como entidade autônoma, substantiva e necessária, mas Humanidade e Progresso não podem se dissociar como querem os social-democratas, como vê-se em Quilombo, e antes em Ganga Zumba, nos quais as transformações, para melhor, na vida, era restrita a uma ínfima parcela da população.
T17 –O Historicismo não dialoga, não analisa, não subverte, não confronta o conhecimento histórico. Entretanto o conhecimento histórico e a História são germinais. A vida e o tempo nos legam novas possibilidades de conhecimento e de existência.