domingo, 31 de maio de 2020

A Representação do Nordeste no Cinema: dialogando com 03 produções fílmicas




A Representação do Nordeste no Cinema: dialogando com 03 produções fílmicas

Partindo...sim, partindo de um lugar para algum lugar, a pé ou de caminhão, de carro (o carnaval não vai passar, mas a paisagem natural, cultural, social, econômica e humana, sim) pela Região Nordeste do Brasil, em particular o seu, o nosso sertão, em Trânsito; Muderno; Líquido; Sujeito e Estético, temos algumas das possibilidades representacionais dessa Região do Brasil.
Ao rever 03(três) produções cinematográficas que trazem o sertão da região Nordeste do Brasil como locus de realização de uma trama, dentre vários outros já feitos, Vidas Secas; Cinema, Aspirinas e Urubus e Árido Movie (elencados, vistos e discutidos nessa ordem), necessariamente não mais vislumbramos uma extensão geográfica, mas um universo.
Mas eles não são os mesmos, aliás, são díspares e tanto eles, quanto o próprio sertão, apresentam características próprias, mesmo que interdependentes, como Cavalcanti, em dissertação produzida na UNICAMP em 2010, aponta 05(cinco) sertões, conforme destaco no parágrafo de abertura, contradigo-me ao afirmar que todas elas, as características estão postas em todos os eles: filmes e sertões.
Em Vidas Secas, de Nelson Pereira do Santos, temos uma família que vive um ciclo e em círculo na busca de sua permanência. Eles fazem parte do habitat, portanto não há vida deles fora daquela vida, a saber, um homem adulto, Fabiano, uma mulher adulta, Sinha Vitória, um menino mais velho, outro menino mais novo, uma cachorra – até um papagaio. Mas como eles são humanos, dois deles vislumbram outras possibilidades de vida, entretanto...elas não chegam. E da família, dos seus componentes, não sabemos para onde foram em suas novas jornadas, a pé, uns em deslocamento geográfico, outros também em trânsito pessoal. Em preto e branco, por isso e apesar disso, a película nos faz ver e sentir o sol em sua majestade, tornando os humanos e a paisagem, meros dependentes e escravos dele, o Rei Sol. O filme é uma leitura do livro de mesmo nome do escritor Graciliano Ramos.
Um caminhão cruzando as estradas da caatinga, ao som de Serra da Boa Esperança... na boleia e condução, um alemão fugindo da Segunda Grande Guerra: na carroceria -caminhão baú, aspirinas, a salvação contra as dores. Do lado de fora, gente que vive – fora do mapa, outras poucas querendo nele entrar. Quem entra – na boleia - e permanece?, Ranulpho. Ambos buscam novos horizontes, enquanto um quer subir o mapa, depois é forçado a esse deslocamento rumo ainda mais ao Norte, o outro, quer descer, ir para onde veio, já no Brasil, o alemão. Não sabemos se chegaram aos seus “destinos”, somente sabemos que partiram. Acompanhando e permanecendo, continua o Rei Sol, o mesmo de Vidas Secas. Eis o que nos apresentam “os” Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes.
E agora, por que vou? O homem do tempo, é surpreendido, sem tempo de reação! Muda-se a paisagem cultural, social, econômica e natural.
Após o assassinato do próprio pai, o dito protagonista do filme Árido Movie é impelido a retornar à sua cidade natal. Mas sua vida não mais o pertence, há um novo universo em Rocha, há uma nova teia de relações que transformaram a aridez daquele ambiente não mais natural, em um barril de pólvora. A plantação e o tráfico de maconha, e ainda o jogo do bicho, ocupam e mandam nos espaços, destruindo a população nativa, ainda sob a égide da religiosidade e dos bons costumes. Ditam as regras. Continuam fornecendo matéria-prima para as grandes cidades, incluindo, dessa vez, a maconha.
E continua o sertão, árido, mas em movimento. Em transe contínuo. Mesmo com o elefante e o cachorro de pedra, mesmo com a falta d’água, na superfície, mesmo a vida pacata, mas com os homicídios e genocídios...é verdadeiramente um filme árido, em movimento.
Consideramos, a partir do exposto, a existência dos sertões, e de outros sertões, e nos reportando mais uma vez a Cavalcanti (2010), nomeados como Sertões Autóctones, desta feita correlacionando, de forma simples e direta, os filmes aos sertões por ele nomeados, ressaltando que todos os Sertões estão presentes nos 03(três) filmes, mas com destaque hegemônico e particular do nosso olhar:
O Sertão em Trânsito é representado pelo filme Cinema, Aspirinas e Urubus tendo em vista a permanência dos personagens principais na boleia do caminhão na totalidade da narrativa sempre em deslocamento geográfico e pessoal; o Sertão Muderno é representado por Árido Movie com a sua nova configuração social e econômica; o Sertão Sujeito, isto é, o lugar é pêndulo, é o timão, é a tela natural onde a paisagem se configura e se afirma (aqui há uma clara diferença da nossa visão ao do autor dos sertões autóctones sobre esse tipo de sertão, o que é visto em Vidas Secas).
Enquanto isso...que não é na sala de Justiça, os outros Sertões pertencem aos três filmes, concomitantemente, a saber: o Sertão Líquido, tendo em vista as alterações, ou na paisagem, ou individuo, ou nas relações econômicas, sociais e culturais e, por fim, o mais pertinente ao fazer artístico, o Sertão Estético, o modo como cada cineasta e equipe enxergam e vislumbram o ambiente e o tecido social. Vale ressaltar que esse olhar é de dentro, isto é, em Cinema, Aspirinas e Urubus e Árido Movie, enquanto que em Vidas Secas, é de fora, mas todos, de dentro do Brasil.

Nossa ideia de movimento, de deslocamento dos personagens em dada película não se restringe ao uso do veículo, mas também ao pessoal, aquele em que o personagem “sai de si”.