segunda-feira, 27 de julho de 2020






Historiadores e Cinema, Cineastas e História: o Diretor como historiador I


Em que medida um cineasta historiografa um evento, um acontecimento, um episódio um indivíduo, um grupo social? É possível que outro profissional (?) além do Historiador, acadêmico ou não posso registrar um fato ou uma pessoa, considerados históricos? Mas o que configura o status de histórico a qualquer um dos “tipos” já citados aqui que sejam passíveis de entrarem para a História? Por fim, por enquanto, em meio a tantas perguntas, mais uma delas: o que é História?
Sem a pretensão de dar respostas, em primeiro lugar por que não tenho as respostas prontas e definitivas, em segundo lugar, as dimensões desse texto e a sua natureza não permitem tanto espaço haja visto a imensidão que forma o universo das possíveis respostas já formuladas ao longo de mais de 2 séculos de debates sobre aquelas questões. No entanto atrevo-me a afirmar que é possível a qualquer pessoa fazer, elaborar, historiografar um episódio ou a vida de alguém, e se esta pessoa for um cineasta, ela terá muitas ferramentas e conteúdo para construir a obra. Faço esta afirmação tendo em vista que o Cinema, como arte múltipla pode registrar o cotidiano e, muito mais, revisá-lo, reconfigurá-lo e contestá-lo. A partir destas ações o cotidiano deixa o presente e começa a fazer parte do passado, desse modo o Cineasta, tal qual o Historiador, de cátedra, isto é, de formação, também debruça-se sobre o ontem, seja próximo, medianamente, distante ou muito distante.
A partir dessas breves observações podemos afirmar que o cineasta Sérgio Rezende, em Lamarca, 1994 e Zuzu Angel, 2006, construiu dois percursos individuais, mas não isolados, desses dois personagens que entraram para a História do Brasil, inicialmente somente no que é entendido como extra-oficial, isto é, a História não assumida pelo Estado, sendo oficial quando este assume inclui nos registros considerados oficiais, uma vez que o poder constituído “concedeu” o status de ser estudado, lembrado, pela população, seja através de documentos, monumentos, e até mesmo estudado nas escolas constante nos livros didáticos.
O percurso de vida dos personagens que dão título aos filmes não se cruzam, Lamarca e Zuzu Angel, mas a motivação do segundo, a busca pelo paradeiro do próprio filho, Stuart Angel – ou do corpo dele – faz esse cruzamento, portanto temos duas películas que tratam de duas pessoas, contemporâneas e que estão em ação conjuntamente, a reação contra o endurecimento do Regime Civil-Militar contra seus opositores. Enquanto Lamarca constroi sua formação política no exercício da vida militar, consolidada quando esteve a serviço das chamadas Forças de Paz da ONU, no Canal de Suez, ao se deparar com a vida miserável dos beduínos. Stuart Angel, filho de classe média(ou média alta), tem sua formação políticas nos corredores e salas de aula da Universidade e, por extensão, Zuzu, a mãe, vai forjando sua “formação” a partir dessa busca corajosa pelo corpo do filho, uma vez que à medida que os dias, as semanas e os meses se passam ela vai se certificando de que a busca somente poderá trazer de volta o corpo do, não mais o próprio filho.
E é com esses indícios cruzamento de vidas, de registros episódicos de ambos os personagens principais elaborados por Sergio Rezende e equipe, que podemos afirmar que é possível ao cineasta produzir uma historiografia, ou um produto da História. E no caso especifico de Rezende, seus filmes são frutos de pesquisa – aqui inclusas as mais variadas fontes, principalmente para a construção de Zuzu Angel – desde relatos pessoais de amigos, parentes, audição de fitas cassete, leituras de livros. Quanto a Lamarca, segundo o próprio Rezende, somente uma biografia foi consultada para a produção, o livro de Emiliano José e Oldack Miranda, Lamarca, o capitão da guerrilha.
São, portanto, Lamarca e Zuzu Angel filmes de representação histórica que certamente já foram transformados, por força das circunstâncias, o ineditismo dos temas, em fontes e agentes da História desse país que ainda aspira a condição de Nação.

domingo, 19 de julho de 2020



AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CINEMA, O OLHAR, O FAZER CINEMA DE LEON HIRSZMAN















Nesta quinzena fizemos uma imersão no Cinema que traz o Trabalho e a formação brasileira, especificamente no trabalho de Leon Hirszman, especialmente nos filmes ABC da Greve e Eles não usam Black-Tie, de 1979 e 1981, respectivamente. Nesses trabalhos, que se complementam, ou melhor, dialogam entre si, mas com total independência, vida própria, tratam do cotidiano dos trabalhadores da região paulista denominada de ABC, centro da indústria automotiva brasileira, – dentro e fora das linhas de produção -  incluindo nesse cotidiano, o do lar. Com ênfase em “ABC...”, no primeiro aspecto, e no segundo, “Eles não usam...”.
Esses filmes, tratam explicitamente das relações de trabalho, incluindo nessa expressão, o modus operandi do trabalhador em ação, isto é, trabalhando e enfrentando os dissabores de um ambiente fabril periculoso e insalubre, sendo mal remunerado, bem como o potencial de organização de classe frente a esses problemas e outro, gerado pela reação àqueles problemas, a própria ação sindical. Isto é, a organização dos trabalhadores brasileiros, naquele momento histórico, também enfrentaram a possibilidade de organização quanto tiveram suas associações de classe interrompidas pelo Estado Brasileiro.
Como se não bastasse, o cotidiano do lar, desde a moradia, a ausência de ações/políticas públicas daquele mesmo Estado que intervinha na organização dos trabalhadores, não intervém para a superação dos problemas de ordem social, isto é, ruas sem calçamento e esgotamento sanitário, ausência também de áreas de lazer, problemas familiares internos, que vão desde os conflitos ideológicos, passando pelo de relacionamento em função de vícios, a perseguição aos povo negro – tal qual o capitão do mato de outrora, etc fazem parte da trama de “Eles não usam...”.
E é naquele viés  histórico abordado no final do segundo parágrafo que os filmes vistos também são lidos, uma vez que Hirszman também representa a história, no segundo, e em ambos, são agentes históricos e assim, se transformam em fontes históricas. Senão vejamos: o filme ABC da Greve um documentário que “cobre” algumas paralisações dos metalúrgicos da cidade de São Bernardo do Campo, SP, incluindo greve e manifestações públicas, tanto numa praça da cidade, quanto em um estádio de futebol. Portanto, o cineasta registrou fatos criados por trabalhadores, em reação à ação nefasta dos empresários daquele setor. Os acordos entre trabalhadores e patrões são fechados, mas a sensação de vitória não é total, mas demonstrou a força da organização da categoria. Apesar e por isso, os trabalhadores voltam à sua vida comum, insalubre e perigosa, dentro e fora da fábrica. Vê-se ali a quase totalidade da força masculina, com baixa escolaridade e com pouca, mas muito pouca presença do povo negro.
A representação histórica dá-se em Eles não usam Black-Tie, que mesmo sendo uma obra de ficção traz indícios de um evento histórico – as greves e movimentos socias daquele período e também tratados em ABC ... - cujo roteiro é fruto de uma peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri, que também participa do filme. O enredo gira em torno de uma família composta por 04 membros, a mãe, o marido e dois filhos. E é entre o pai e o filho mais velho que vemos as ideologias em choque, as mesmas vistas entre patrão e empregado em ABC , quando o filho não coaduna com a postura do pai, já experiente na luta por melhores condições de vida – trabalho, renda, moradia, lazer – inclusive já tendo sido preso por essa postura. Acusa o pai de que a luta não os levou a lugar, “além dessa merda de vida”, ao passo que o pai retruca dizendo que sem luta a vida não faz sentido e que a postura do filho somente fortalece o patrão que é o causador da situação pela qual ele, e milhões de brasileiros continuam assujeitados.
E ambos, 40 anos depois, são vistos e revistos desde seus lançamentos, contribuindo para a formação do pensamento político brasileiro no que tange às  relações de trabalho de uma determinada categoria de trabalhadores frente às lutas que forjaram, de um tempo histórico – estávamos no limiar do ocaso de Ditadura civil-militar, em uma determinada região do país, a mais rica, diante da ação arrocho salarial, de quebra de direitos – políticos, sociais e trabalhistas – de uma classe social que somente via e vê o próprio  lucro, com posicionamento idêntico ao dos escravocratas e dos industriais britânicos do alvorecer da Industrialização.
Vale ressaltar que o tema Trabalho no cinema brasileiro é pouco recorrente, mas não é recente, cujos temas mais frequentes giram em torno da industrialização brasileira alocada em São Paulo, incluindo nessas temáticas, tanto questões de ordem coletiva, quanto individual, notadamente influenciada pela primeira. Isto é, alguns filmes centram a trama em um indivíduo e seus conflitos pessoais, os quais são determinados pelos problemas da coletividade. Outras tramas “focam” a cidade  e seus desdobramentos sociais e econômicos gerando conflitos individuais e coletivos, mas em todos vê-se a perversa ação do capital frente coisificação do homem, para a obtenção do lucro, do poder, da hegemonia de poucos, o patronato, frente à diminuição recorrente do poder de compra, do nível social, econômico e cultural de muitos, os trabalhadores.
Frente a essas constatações, a essa realidade social, à exploração da classe trabalhadora, o Cinema de Leon Hirszman, nestes filmes aqui vistos e em outros, tem contribuído tanto para a denúncia, quanto para o esclarecimento do modus operandi do capital nesta nossa periferia, o Brasil. O Cinema de Hirszman inquieta, provoca, pelo visto, e de acordo com diversas pesquisas já realizadas sobre seu modo de fazer Cinema, ao mesmo tempo que nos informa e entretece, apesar do que se vê em suas películas.
 Mas a arte, e o Cinema é uma delas, tem vários propósitos, conflitantes, às vezes, mas um deles é este: (in)formar. Ser sujeito e atuante do seu tempo, sendo também ele próprio, o artista, um agente da História, marcando nesta também, o seu lugar.

sábado, 11 de julho de 2020


 









 
O Cinema e a Literatura e o Cinema e a História há mais de um século vem construindo olhares, dialogando saberes, criando arte. Revivendo, revisitando, contestando, criando novos olhares, novas possibilidades de arte. É o que vem nos propondo Sergio Rezende nestas duas semanas ao revisitar elaborando novas(?) narrativas para fenômenos e pessoas historicamente situadas na História do Brasil, oficial ou não, mas que marcaram seu tempo e seu lugar na vida desse país. Mesmo atribuindo o substantivo “pessoa” sabemos que elas agiram dentro de circunstâncias coletivas, direta e indiretamente.
As pessoas às quais me referi acima são as mesmas que dão nomes aos filmes, trata-se de Lamarca e Zuzu Angel (já analisada em momento anterior a este), cujas vidas se entrelaçam movidas por interesses semelhantes e agora, temos um episódio histórico, a guerra de Canudos, uma ofensiva do Governo da União, via ação do Exército brasileiro, em terras brasileiras, que ocorreu no final do século XIX, no Estado da Bahia, onde hoje se situa o município de Canudos. Outro diferencial desta película frente às duas primeiras é que o diretor além de dialogar com a História, como ocorre com as demais, também recorre à Literatura para produzir seu roteiro e sua obra, o filme, lançado em 1997, Guerra de Canudos.
Para tratar do tema – episódio histórico – Rezende faz uso direto de romances(?) de dois autores consagrados pelos trabalhos realizados sobre este mesmo episódio, a guerra de Canudos, a saber, O Rei dos Jagunços, de Manuel Benício e Os Sertões, de Euclides da Cunha, sendo esta segunda consagrada como obra prima nacional e internacional como análise explicativa deste momento/episódio da nossa história. Vale ressaltar que foi publicado um livro sobre a produção deste filme cuja autoria esteve a cargo da esposa dele, Nilza Rezende, no qual afirma-se que a película tem como fontes de informação os livros citados acima.
A película traz um diferencial, para quem conhecia a história do episódio, ao colocar como protagonista um núcleo familiar e dentro, a filha mais velha, Luísa, assume a liderança diegética. O diferencial, frente ao título do filme e ao conhecimento do momento episódio, deve-se ao fato de que a guerra foi motivada pela existência de um beato peregrino, Antonio Conselheiro que com seu séquito, fundou uma cidade, o Belo Monte e lá construiu uma sociedade com tendências igualitárias onde toda a produção era dividida para todos, possuindo códigos de ética e de conduta próprios, enfim uma microssociedade brasileira alheia à República recém instalada.
Com a cidade se desenvolvendo sua vida diferenciada e tornando-se conhecida pelas imediações não tão próximas assim, foi conquistando ainda mais adeptos – cuja conhecimento advém das andanças do líder, Antonio Conselheiro – e adversários, dentre eles, o governo baiano, inicialmente, e depois o governo federal, que começam a agir contra aquela população. Outro grande adversário que foi sendo construído ao longo da caminhada de A. Conselheiro foi a Igreja Católica que perdeu adeptos e força perante  a população da região frente ao carisma do líder que segundo consta, pregava e praticava boas obras e acolhia os necessitados, se alimentando pouco, dormindo em situações precárias, até no chão, diferentemente da Igreja que somente exercia poder e controle sobre os fieis e usufruía dos beneplácitos das ofertas desses mesmos fieis.
O período histórico abordado pelo filme é de 04(quatro) anos, portanto um bom tempo de vida para uma cidade construída à mão e em tempo também reduzido, haja visto que a vida de peregrinação do seu líder começara no Ceará e, a pé, pelos sertões de todos os Estados da atual região Nordeste, exceto o Maranhão, temos praticamente uma década de vida

E do que trata, então, a película? Partindo do próprio título Guerra de Canudos, temos a ação do governo republicano e suas novas regras de convivência e de subserviência, aliadas à intimidação e violência com a investida do Exército  contra o povo do Belo Monte e contra a própria cidade, pois como vimos, ela foi incendiada, mesmo tendo sendo vencido o conflito bélico. Internamente à ação desses atores temos outro núcleo gerador da narrativa – a família de Zé Lucena -, citado acima, tendo como protagonista desse núcleo o personagem Luísa. É ela quem faz o contraponto entre os antípodas Belo Monte e Exército.
O filme vai intercalando o conflito com a vida de Luísa: inicialmente sua fuga de casa, em pleno momento em que A. Conselheiro e seu séquito convidam a família dela a seguirem juntos. Em seguida sua vida de prostituta, quando começa a analisar a nova vida que surge no sertão, ao se envolver com um barão, a ouvir relatos de soldados, da gente do lugar e até mesmo de quem participa da guerra, nos campos de batalha. Daí, casa-se com um soldado desertor, o que lhe dará mais informações e experiência de vida, inclusive morando no campo de batalha.
Por fim, ao perder o marido para a guerra, passa a conviver com um tenente, já nos momentos finais do conflito, quando tem os últimos contato com a família – já sem o irmão – Luísa vai entendendo que ao mesmo tempo que incompreendeu A. Conselheiro, o Exército é exatamente o contrário do que apregoa, pois vê o atual companheiro lançar bombas sobre as casas e também vê a própria mãe ser assassinada pelos soldados, mesmo já sob o controle deles e com as mãos amarradas.
Desse modo e pelo exposto acima, temos em Guerra de Canudos, de Sergio Rezende, uma obra de cunho histórico, fez história dando destaque, visibilidade, a um episódio histórico importante para o povo brasileiro, mas com pouca penetração no universo escolar e cultural deste país. Por esses motivos consideramos ser o diretor um cineasta historiador e seu filme agente histórico, uma vez que o tema é de pouco conhecimento popular e sua produção diminui esse fosso, em face principalmente de que sua primeira versão foi uma minissérie televisiva, portanto de forte apelo popular. Também o consideramos uma fonte histórica haja visto essa popularização alcançada via televisão em tempos de informação “fast-food” (rapidez no acesso, porém com difícil ou nenhuma absorção) por meios eletrônicos e digitais, isto é, além dos livros e artigos e outros fontes textuais que tratam do tema, temos a Guerra de Canudos em filme, uma opção para os novos pesquisadores.




domingo, 5 de julho de 2020



Cinema, Documentário e Ficção: qual a "fidelidade histórica?"


O que é a história em O que é isso Companheiro? e em Hércules 56?





Com essas perguntas simples pretendemos dissertar sobre os dois filmes lidos, analisados e discutidos nesta semana que hoje se encerra, O que é isso, companheiro, de Bruno Barreto, 1997 e Hércules 56, de Silvio Da-Rin, 2007. Enquanto o primeiro propõe-se como um filme de ficção baseado em fatos, portanto também em pessoas, instituições, entidades reais, o segundo, é um documentário feito a partir e com os depoimentos de quase todos os participantes do evento que deu origem a ambas as películas, a saber, a captura do embaixador dos Estados Unidos, fato ocorrido em setembro de 1969.
Pelo exposto acima os filmes foram realizados com uma década de diferença entre ambos e do próprio evento, 28 e 38, anos respectivamente, ao primeiro e segundo filmes. Mas por que trago essas datas e limites temporais? Para nos lembrarmos de que cada um responde ao seu momento histórico, ao contexto político em que cada um foi criado.
O filme de Bruno Barreto pertence ao pós abertura política, ocorrida nos anos de 1980, consolidando o renascimento da democracia no país e em pleno governo de Fernando Henrique Cardoso, à época do episódio real, também fora vítima da sanha ditatorial do governo brasileiro, portanto, alguém “sensível” à exposição, mesmo que representativa, dos fatos históricos recentes do Brasil. Já o filme de Da-Rin, pelas leituras realizadas, intrínsecas ou não à nossa disciplina aqui, nos revelaram que ele aconteceu muito mais como resposta às reações negativas ao filme de Barreto, feitas a partir de novos programas de incentivo à produção cinematográfica brasileira, promovidas pelo Estado e suas Fundações e Autarquias. Em ambas as produções a legislação estava sendo usada.
E o que temos em O que é isso companheiro?: um filme de aventura promovida esta ação por um grupo de jovens que entraram na luta armada contra a Ditadura civil-militar implantada no Brasil há cinco anos. São membros de duas entidades políticas organizadas com o fim de tomarem o poder e dentre suas ações promovem a captura do embaixador dos Estados Unidos para usarem como moeda de troca por prisioneiros políticos das mais variadas “tendências” políticas de esquerda. Ideia concretizada em pleno sete de setembro, isto é, a soltura do capturado e os companheiros soltos e exilados no México.
À época o filme teve boa aceitação de público, mas a crítica e principalmente os participantes do evento, não viram com bons olhos a obra e sobre ela teceram severos comentários como, por exemplo, a crítica: o filme é um melodrama hollywoodiano e o personagem principal é o embaixador. Já os participantes rechaçam a liderança de Fernando Gabeira (autor de um livro de memória sobre o episódio homônimo ao filme sobre o qual Barreto se baseou) e outros detalhes do processo de captura do embaixador.
Por sua vez Da-rin promove uma releitura histórica e constroi seu filme a partir de depoimentos, divididos em dois grupos de participantes: o primeiro, reunido em torno de uma mesa, cinco pessoas e o diretor, numa sala com pouca iluminação, tal qual uma mesa de bar e ao mesmo tempo uma sala de depoimentos à polícia. Todos falam sobre o pré, durante e pós episódio; o segundo, individual, isto é, cada entrevistado em sua própria casa, incluindo dentre esses Agonalto Pacheco, em Aracaju. A ideia que tive desse exposição e modus operandi de depoimentos foi o de que o primeiro grupo estava livre, mas havia a sombra da clandestinidade e das prisões, enquanto o segundo, a liberdade no sentido estrito, em sua própria casa, em seu lar. Outro detalhe do grupo em torno da mesa foi o de que as ideias diferentes foram postas “à mesa”, incluindo questões reveladas durante a realização do filme, isto é, houve espaço para o debate, para o contraditório.
Entretanto o que se abstrai dessa querela é a verdade histórica sobre um episódio importante da recente história política do Brasil. Enquanto Barreto se propôs a fazer uma leitura particular, sobre um episódio e baseado em uma obra literária, Da-rin propôs-se a construir um documento histórico via depoimento. Em ambas as situações temos duas visões limitadas, uma vez que aquilo que passa na tela é parte de uma paisagem, portanto não é a verdade absoluta. Enquanto o primeiro passou de cinema como fonte histórica a cinema como representação histórica, o segundo é majoritariamente cinema como fonte histórica, pois fora construído com os participantes de um evento real e elaborado como resposta ao primeiro. Como agentes históricos somente o tempo posterior a este nosso irá dizer, o que até o momento não temos informação dessa força de ambas como produtores de história para além da própria cinematográfica.