domingo, 19 de julho de 2020



AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CINEMA, O OLHAR, O FAZER CINEMA DE LEON HIRSZMAN















Nesta quinzena fizemos uma imersão no Cinema que traz o Trabalho e a formação brasileira, especificamente no trabalho de Leon Hirszman, especialmente nos filmes ABC da Greve e Eles não usam Black-Tie, de 1979 e 1981, respectivamente. Nesses trabalhos, que se complementam, ou melhor, dialogam entre si, mas com total independência, vida própria, tratam do cotidiano dos trabalhadores da região paulista denominada de ABC, centro da indústria automotiva brasileira, – dentro e fora das linhas de produção -  incluindo nesse cotidiano, o do lar. Com ênfase em “ABC...”, no primeiro aspecto, e no segundo, “Eles não usam...”.
Esses filmes, tratam explicitamente das relações de trabalho, incluindo nessa expressão, o modus operandi do trabalhador em ação, isto é, trabalhando e enfrentando os dissabores de um ambiente fabril periculoso e insalubre, sendo mal remunerado, bem como o potencial de organização de classe frente a esses problemas e outro, gerado pela reação àqueles problemas, a própria ação sindical. Isto é, a organização dos trabalhadores brasileiros, naquele momento histórico, também enfrentaram a possibilidade de organização quanto tiveram suas associações de classe interrompidas pelo Estado Brasileiro.
Como se não bastasse, o cotidiano do lar, desde a moradia, a ausência de ações/políticas públicas daquele mesmo Estado que intervinha na organização dos trabalhadores, não intervém para a superação dos problemas de ordem social, isto é, ruas sem calçamento e esgotamento sanitário, ausência também de áreas de lazer, problemas familiares internos, que vão desde os conflitos ideológicos, passando pelo de relacionamento em função de vícios, a perseguição aos povo negro – tal qual o capitão do mato de outrora, etc fazem parte da trama de “Eles não usam...”.
E é naquele viés  histórico abordado no final do segundo parágrafo que os filmes vistos também são lidos, uma vez que Hirszman também representa a história, no segundo, e em ambos, são agentes históricos e assim, se transformam em fontes históricas. Senão vejamos: o filme ABC da Greve um documentário que “cobre” algumas paralisações dos metalúrgicos da cidade de São Bernardo do Campo, SP, incluindo greve e manifestações públicas, tanto numa praça da cidade, quanto em um estádio de futebol. Portanto, o cineasta registrou fatos criados por trabalhadores, em reação à ação nefasta dos empresários daquele setor. Os acordos entre trabalhadores e patrões são fechados, mas a sensação de vitória não é total, mas demonstrou a força da organização da categoria. Apesar e por isso, os trabalhadores voltam à sua vida comum, insalubre e perigosa, dentro e fora da fábrica. Vê-se ali a quase totalidade da força masculina, com baixa escolaridade e com pouca, mas muito pouca presença do povo negro.
A representação histórica dá-se em Eles não usam Black-Tie, que mesmo sendo uma obra de ficção traz indícios de um evento histórico – as greves e movimentos socias daquele período e também tratados em ABC ... - cujo roteiro é fruto de uma peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri, que também participa do filme. O enredo gira em torno de uma família composta por 04 membros, a mãe, o marido e dois filhos. E é entre o pai e o filho mais velho que vemos as ideologias em choque, as mesmas vistas entre patrão e empregado em ABC , quando o filho não coaduna com a postura do pai, já experiente na luta por melhores condições de vida – trabalho, renda, moradia, lazer – inclusive já tendo sido preso por essa postura. Acusa o pai de que a luta não os levou a lugar, “além dessa merda de vida”, ao passo que o pai retruca dizendo que sem luta a vida não faz sentido e que a postura do filho somente fortalece o patrão que é o causador da situação pela qual ele, e milhões de brasileiros continuam assujeitados.
E ambos, 40 anos depois, são vistos e revistos desde seus lançamentos, contribuindo para a formação do pensamento político brasileiro no que tange às  relações de trabalho de uma determinada categoria de trabalhadores frente às lutas que forjaram, de um tempo histórico – estávamos no limiar do ocaso de Ditadura civil-militar, em uma determinada região do país, a mais rica, diante da ação arrocho salarial, de quebra de direitos – políticos, sociais e trabalhistas – de uma classe social que somente via e vê o próprio  lucro, com posicionamento idêntico ao dos escravocratas e dos industriais britânicos do alvorecer da Industrialização.
Vale ressaltar que o tema Trabalho no cinema brasileiro é pouco recorrente, mas não é recente, cujos temas mais frequentes giram em torno da industrialização brasileira alocada em São Paulo, incluindo nessas temáticas, tanto questões de ordem coletiva, quanto individual, notadamente influenciada pela primeira. Isto é, alguns filmes centram a trama em um indivíduo e seus conflitos pessoais, os quais são determinados pelos problemas da coletividade. Outras tramas “focam” a cidade  e seus desdobramentos sociais e econômicos gerando conflitos individuais e coletivos, mas em todos vê-se a perversa ação do capital frente coisificação do homem, para a obtenção do lucro, do poder, da hegemonia de poucos, o patronato, frente à diminuição recorrente do poder de compra, do nível social, econômico e cultural de muitos, os trabalhadores.
Frente a essas constatações, a essa realidade social, à exploração da classe trabalhadora, o Cinema de Leon Hirszman, nestes filmes aqui vistos e em outros, tem contribuído tanto para a denúncia, quanto para o esclarecimento do modus operandi do capital nesta nossa periferia, o Brasil. O Cinema de Hirszman inquieta, provoca, pelo visto, e de acordo com diversas pesquisas já realizadas sobre seu modo de fazer Cinema, ao mesmo tempo que nos informa e entretece, apesar do que se vê em suas películas.
 Mas a arte, e o Cinema é uma delas, tem vários propósitos, conflitantes, às vezes, mas um deles é este: (in)formar. Ser sujeito e atuante do seu tempo, sendo também ele próprio, o artista, um agente da História, marcando nesta também, o seu lugar.

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