quarta-feira, 18 de novembro de 2020

 

Onde e o que pode uma criança cega estudar? Experiências, aprendizagens, e ensinamentos em Vermelho como o céu.

 

Rever Vermelho como o céu, ou Rosso come il cielo, de Cristiano Bortone, de 2006, é sempre um mergulho nas nossas possibilidades, das impossibilidades a nós impostas pela escola, pela família, pela sociedade – é uma tríade por demais conhecida, um chavão, mas que infelizmente ainda nos domina. Vermelho como céu pode ser um filme sobre a infância, sobre escola para meninos ainda na transição da infância para a adolescência, sobre escolas com regime de internato, sobre escolas religiosas, sobre escola para meninos cegos, enfim. E é isso tudo e muito mais, pois além desses “subgêneros” temos um filme em que a aprendizagem a partir dos sentidos em pulsação ao extremo, o companheirismo, o amor, enfim está presente até do início ao fim da narrativa.


cinepedagogiace.blog.spot

 

Mirco Balleri é um garoto comum que brinca nas campinas da Toscana, mas após um acidente doméstico com arma de fogo, teve sua vida modificada ainda mais: agora sem enxergar quase nada, teve que estudar em uma escola para crianças cegas(meninos), em outra cidade, no regime de internato. Isto é, agora sua vida estava restrita à convivência com quem não enxergava – ou enxergava muito pouco – com os olhos.

E é este detalhe que indico no final do parágrafo anterior – e já visto em texto também anterior de nossa autoria sobre o filme Janela da alma – o individuo é dotado de 5 sentidos, por que não explorar todos? Na ausência de um deles, ainda teremos mais 4, é esta, uma das mensagens que Mirco nos comunica.

A amizade é um dos grandes trunfos do nosso protagonista, pois é com ela que ele desenvolve seu potencial criativo, e com este potencial, despertar no professor a coragem de agir politicamente dentro da instituição, em favor da liberdade criativa dos estudantes. Adiante volto a este professor, também padre, por ora, vamos nos concentrar na amizade. 

Cinemaescrito.com 

Em suas primeiras semanas de internato os aprendizados e os ensinamentos que nosso protagonista alcança são de encher nossos olhos, nossos corações, nossa alma, sempre com a conquista de amizades, cuja primeira é com Felice, a segunda, Francesca, não interna, até angariar uma legião de amigos admiradores.

Aliás do início ao fim da narrativa fílmica temos muitas e suaves emoções, cujo ponto alto é quando os estudantes fazem a festa de final de ano a ser apresentada aos familiares. Na entrada todos e todas recebem uma fita preta. Ao sentarem-se o padre e professor pede que todos usem a fita vendando os olhos, e o que se vê é uma plateia alegre e feliz por ter “percebido” sentido o que viver e poder viver sem “ver”, mas enxergando, sentindo...

                                                                                                    lounge.obviusmag.org

A apresentação da classe é uma encenação de uma história criada por Francesca, sua grande amiga.

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Enquanto a peça é apresentada, imagens do internato são intercaladas, com uma música uma belíssima, sob a responsabilidade de Ezio Bosso e Stefano Campus e fotografia, de Vladan Radovic. Vale ressaltar que ali e em diversos momentos, esse recurso e elemento cinematográfico presenteiam os espectadores sempre de maneira sublime, outras vezes, agressiva, mas sempre significativas, nunca incólumes.

Mas voltando ao episódio do padre e professor, o Don Giulio, apesar desses títulos, era um homem que primava pela fantasia dos seus alunos, como se diz imaginação em italiano, e que tanto admirava a capacidade criativa dos seus meninos. E foi movido por esses “detalhes” que juntou forças e enfrentou o diretor da escola o qual se orgulhava do século de vida que ela alcançara, principalmente por que obedecia às regras.

Devido às criações, más criações no olhar da direção da escola, Mirco foi expulso do internato pelo, mas o professor enfrentou o chefe e exigiu a permanência do garoto e ainda que a festa de final de ano seria, daquele ano em diante, seria organizada por ele, a pessoa mais indicada, pois era com quem os meninos tinham contato diário como professor-aluno. Mas em qual momento o padre e professor reuniu forças? Com uma conversa que teve, em pleno corredor da escola, com a faxineira e faz tudo do lugar, Concettina. Como pode um padre receber orientação de alguém subalterno? Parar para ouvir alguém hierarquicamente inferior? Somente vendo Rosso come il cielo

É um filme para a família, mas principalmente para os vizinhos, a comunidade ver....com todos os sentidos: ver para ouvir, ver para cheirar, ver para degustar, ver para enxergar, ver para sentir..... Somente vendo Rosso come il cielo

E em meio aos debates a respeito da legislação que trata da introdução do cinema nas escolas brasileiras, mais especificamente do cinema brasileiro na educação básica, isso nos idos de 2014, com a lei 10.006. São duas horas mensais mínimas de exibição de filmes nacionais. Por que essa digressão? Somente vendo Rosso come il cielo

Em meio há mais uma estupidez do atual governo federal que quer “incluir” crianças como Mirco e seus amigos de internato, em escolas com crianças com suas necessidades, sugiro Rosso come il cielo....



Eis aqui um dos canais https://www.youtube.com/watch?v=yvd9R30hNqk&ab_channel=VanderleiMedeiros

 



sábado, 14 de novembro de 2020

 ver para enxergar - ou seria o contrário?, enxergar para ver?


                           


 

Inicio meu texto informando que ele foi produzido tão logo acabei de ver o filme Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho, 2001, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=4F87sHz6y4s&t=2s&ab_channel=Mir%C3%A1Filmesproduzido pela Copacabana filmes e produções, Ravina filmes e e Dueto filmes, acessado na noite de hoje, noite em que produzo esse brevíssimo ensaio/comentário. Portanto é um texto produzido no calor da hora e, com os riscos de esquecer de muitos dos detalhes e dos/das participantes, mas assim o quis fazer.

O filme é um mosaico de depoimentos que versam sobre o papel fundamental e profícuo da ausência da visão promovida pelos olhos, isso mesmo que você leu, o filme traz em seu cerne, em suas imagens, falas e cenas, a vantagem de não vermos, uma vez que já diz o velho dito popular, o essencial é invisível aos olhos. Hoje tive mais uma vez essa comprovação ao ver (ou rever?), Janela da Alma. Viram a minha dúvida? Vi, mas não mais sei se o vi. Por que será que tenho essa dúvida?

Sei que nos áureos tempos da TV BRASIL, denominada a tevê do Lula, vi em diversos programas, bons programas por sinal, reportagens sobre esse filme, disso tenho certeza, viram agora a minha certeza? Por que será que tenho esta convicção de ter visto reportagens sobre o próprio, mas nenhuma se vi o próprio filme? Somente vendo Janela da Alma para sabermos porque aqueles que não enxergam, com os olhos, afirmam que não precisam dos olhos para ver. E por que não termos certeza de termos visto algo mesmo sendo dotados da visão, isto é, de “enxergarmos com os olhos?”

Com depoimentos de gente como José Saramago, que dentre várias pérolas ditas (esta não me fugiu à memória): estamos vivendo a caverna de Platão nos tempos atuais, o filme é de 2001, portanto lançado há 19 anos e, continua o escritor português, viveremos ainda mais esta caverna, mais adiante, afinal tudo é propaganda, tudo nos envolve para um mundo que não nos pertence, que não é o mundo que imaginamos ser. Fiquei perplexo com mais essa do gênio portuga. Dona Isabel de seu Porfírio adorava essa palavra “perplexo” e eu amava essa paixão dela.



Mas temos muito mais: Manuel de Barros, que com sua verve cômica, solta uma das dele; os cineastas Wim Wenders e Agnes Varda -que contam histórias belíssimas, destaco aqui a dele: que até as crianças ao pedirem que os contem uma história, estão, na verdade, querendo outro mundo. O poeta Antonio Cícero, a atriz Marieta Severo. Outros que não consegui memorizar o nome dão testemunhos maravilhosos, daqueles que nos deixam, mais uma vez: perplexos, ou como se diz no sertão: de “bocaberta”, “bêstas”....

Por fim destaco a primorosa presença do panmúsico Hermeto Pascoal, do qual dentre as pérolas, destaco a seguinte: ouvimos pela nuca e enxergamos pela testa, em um ponto entre os olhos e acima um pouco deste, centralizadamente.

Quanto a algumas imagens, elas são muito coloridas e se mexem feito uma cortina que foi balançada de leve; entre um quadro e outro, a tela fica escura para que, aos poucos, as cores comecem a aparecer, com pontos luminosos, numa tentativa de se aproximar ao que dizem aqueles e aquelas que não enxergam conseguem “ver”. Atentem para os detalhes dos locais onde cada um/uma fala, o som que aparece, desde a música a um ruído qualquer!

Janela da Alma é um filme que deve ser visto, várias vezes, inclusive com a tela escura em uma das sessões; em grupo e isoladamente; e ainda em uma das exibições, serem anotadas as máximas filosóficas ditas pelos participantes com seus testemunhos abissais!!!! Não deixem de ver! Todos e todas – sem distinção.

 

diretor João Jardim

                                                     diretor Walter Carvalho

 

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

 

Zero de conduta, Jean Vigo, 1933, França.





A presença da Educação no cinema, principalmente o cotidiano da sala de aula, ocorre desde o início da sétima arte. Hoje nosso dialogo será com um filme produzido nos anos de 1930, mais precisamente em 1933, portanto 40 anos depois do “surgimento” do cinema, numa fase já consolidada com a marca de “escolas cinematográficas” em vários países, trata-se de Zero de Conduta, dirigido pelo francês Jean Vigo.

Zero de conduta apresenta um internato para meninos, destacando um quarteto desses garotos que sempre chamam a atenção da direção do estabelecimento por não cumprirem as ordens da casa, as quais, vamos conhecendo, são opressoras e, portanto, limitadoras das ações pertinentes à infância e à adolescência. Na trama, os personagens estão às vésperas de uma comemoração cujo nome não é revelado.

Na instituição de ensino constatamos diversas agressões aos internos, em face da postura autoritária dos professores e dos demais componentes da gestão escolar. À exceção de um deles, o qual com sua postura, lembra algumas prerrogativas do professor Paulo Freire em seu livro Pedagogia da Autonomia. Trata-se do prof Huguet, novo no estabelecimento, e pela prática não autoritária, opressora, não é bem visto pela direção e inspeção escolares. Este professor permite que os estudantes tenham autonomia, trabalha com alegria, participa com eles e sabe ouvi-los. Em dos momentos, o prof Huguet vê um aluno “plantar bananeira” em plena sala de aula e em seguida imita o estudante.

A narrativa proporciona a vitória aos estudantes revoltosos, quando os dirigentes do internato estão em plena comemoração organizada pela própria instituição, o que a nosso ver, não seria comum à época, 1933: a vitória da revolta estudantil. E essa “vitória” começa na véspera da festa, quando os líderes incitam aos demais colegas à não participação na comemoração, ao promoveram “uma brincadeira” conhecida como guerra de travesseiros. Um detalhe dessa sequência é que ao final dela temos alguns segundos em câmera lenta: a alegria tomou conta de todos os meninos. Um instante poético da narrativa criada pelo diretor, Jean Vigo.

Outro detalhe é que enquanto o inspetor, anão, fala ao professor Huguet, da necessidade da escola realizar uma festa digna da presença do governador, imagens da guerra de travesseiros se alternam à reunião. O fato de colocar um anão como inspetor e de ter escancarado sua visão sobre os horrores de um internato, podem ter custado muito caro ao diretor.

No dia seguinte, dia da comemoração, o quarteto dos líderes não aparece no momento da festa, pois todos estão arquitetando ‘’o ataque”, o que ocorre ao jogarem do alto da escola, latas, pedras e outros objetos. Alegres, os quatro meninos andam pelo teto onde está uma bandeira “do movimento” por eles organizados, enquanto os colegas, em baixo, comemoram, e as autoridades ficam confinadas no porão.




O filme não mostra uma nova forma de narrativa, mas seu diferencial reside nessas novidades apontadas e serve tanto como referencial fílmico de modo amplo, quanto temático. Destaco como inovações político-estéticas o protagonismo juvenil, e não somente de um ator, mas de 04(quatro) deles e ainda o uso de ambientes externos, inclusive a rua, alternando com internos.

as imagens foram retiradas dos sites,pela ordem:

radarconsultoria.com

adorocinema.com

bheventos.coom.br

velhaonda.com

cinefrance.com.br