domingo, 29 de agosto de 2021




 

No calor da hora, mesmo com chuva breve – um ensaio, uma leitura inicial

de Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade.

Notas esparsas sobre Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade

O breve e presente ensaio que ora torno público, feito sobre o livro Memórias sentimentais de João Miramar, de autoria de Oswald de Andrade e publicado no ano de 1924, é uma das referências, um dos marcos do chamado Modernismo brasileiro cujo diferencial é a construção de capítulos (por ora assim vamos considerar) bastante curtos e com pouca, mas muito pouca relação entre todos eles.

O que nos motivou a escrever esse texto foi um trabalho apresentado aos estudantes da 3ª série, do turno vespertino, do Colégio Estadual Paulo Freire aqui no município de Fátima onde leciono desde o ano de 2001. Então a nossa pretensão é, na verdade, estabelecer um diálogo com esta obra da qual ouvia muito falar desde os tempos da Universidade quando cursava Educação Física (já que eu era um estudante daquele curso fora dos padrões atléticos) e tinha muitas amizades com os estudantes de Letras, História, Pedagogia e Geografia, majoritariamente com os de Letras e desde então a paixão pela leitura e pela literatura brasileira já fazia parte do meu cotidiano. Desde aquela época, final dos anos de 1980, que eu ouvi muitos comentários, fiz algumas leituras sobre ele - o livro aqui em tese - e no exercício profissional, na docência do Ensino Médio, com um contato mais aproximado, entretanto a leitura do texto na totalidade nunca havia feito, o que fiz agora no ano de 2021 já depois de diplomado em Letras também pela Universidade federal de Sergipe e com meus quase 30 anos de trabalho.

O arquivo que nós utilizamos está disponível na internet, no banco de dados da Universidade de São Paulo, cuja referência exata colocaremos ao final, é um texto composto por 93 páginas e a nossa primeira observação é feita a partir da página 32, onde começa o prefácio e seu sugestivo título, à guisa do prefácio. Nele temos a apresentação do personagem que dá nome ao romance, com a indicação de suposta ocupação profissional, o jornal impresso com o termo imperialismo "João Miramar abandona momentaneamente o periodismo para fazer a sua entrada de homem moderno na espinhosa carreira das Letras"

VAMOS AO TEXTO

Em “Gare do infinito”, nome dado ao terceiro episódio-fragmento, isso mesmo, a narrativa não é dividida em capítulos, o narrador noticia o falecimento do próprio pai o trecho é por demais poético assim ele se pronuncia no jantar noturno a voz toda preta de mamãe ia me buscar para a reza do anjo que carregou meu pai"

Em “Perigo das armas” quinto episódio-fragmento (doravante o numeral seguido de EF)lendo um livro sobre o rei Carlos Magno o narrador provoca um acidente.

No 18º EF, de modo sutil(?) temos a “notícia” de que o narrador não é o personagem que dá nome à narrativa, cujo título é “Informações”:

 

“Gustavo Dalbert numa noite de cabelo e cigarro disse-me que a arte era tudo mas a vida nada. Ele era músico e ia morar em Paris comigo, o amigo e jovem poeta João Miramar.

Havia um outro artista na vizinhança, o Bandeirinha barítono e outros poetas na cidade.”

 

O neologismo, uma das marcas oswadianas, aparece em vários momentos, e esta nos chamou a atenção pela força política que exerce, o que ocorre no 27º EF ao se referir a um personagem: “Pantico norte-americava.”

Usando e abusando(esta no bom sentido – rs), o narrador assim se expressa no 37º EF: 37. Vejam os destaques que fiz.

 

“A MADÔ DO COMEÇO

Era filha puberdada do dono do restaurante de olhos azuis.

As pátrias longínquas cresciam no inverno da sala como legumes tardios. E o escuro da escada subia quedas ao sétimo andar.

Sonhamos um livro de viagens. “

Em “A calma descrita por Homero”, EF 53, vejam que delícia de sonoridade, tanto pelas consoantes, quanto pelas vogais:

“ Depois Almeria acordou a passagem do mar nas colunas que estreitam a estreita entrada das terras mediterrâneas.

Na África Ceuta sepulcrava ao luar. E do outro lado a pedra anglorochosa fincava a garra na Espanha.”

 

A onomatopeia se faz presente ao trazer um grilo para a narrativa, no EP61, sob o título Casa da Patarroxa”:

“A noite

O sapo o cachorro o galo e o grilo

Triste tris-tris-tris-te

Uberaba aba-aba

Ataque e o relógio taque-taque

Saias gordas e cigarros”

Destaco ainda o vanguardismo com a junção dos termos “pata” e “roxa” duplicando a letra “erre” na junção deles para formar um só termo, o que foi oficializado muitas décadas depois com o atual acordo ortográfica da Língua Portuguesa. Esse moço era um danado, mesmo hein minha gente?

Em Fausta, EF 71, a ironia beira o sarcasmo ao se referir, o narrador, aos costumes parisienses, e em meio a tantos neologismos, agora destaco um arcaísmo, para nosso contexto, quando as fotos são chamadas de instantâneos. O poder econômico do narrador( e do autor) também são apontados no EP 73, ao se referir ao bairro Higienópolis, na cidade de São Paulo, tradicionalmente ocupado por fazendeiros do café, industriais, etc. nesse mesmo EF, o narrado faz uma divertida alusão ao que considerei dias de intensa preguiça: “Os domingos eram grávidos de sono.”

Mais uma riqueza de sonoridade está no EP 74, cujo título, enigmático é “sol o may”:

“Um soldado só para policiar minha pátria inteira

E o gru-gru dos grilos grelam gaitas

E os sapos sapeiam sapas sopas

Lampiões lamparinas

Delenda linda Salomé

A javá é uma polca porca com poeira azul

Mas o roxo arroxa a procissão de cortinas cor-de-rosa”

Em um modo divertido para se referir à própria paternidade, o narrador, elege para o momento, a sogra, ao anunciar que ela será avó, no EP 75.

Uma referência histórica explícita aparece no EP 84, provavelmente a I Guerra Mundial, uma vez que o livro fora publicado nos anos 1920. O narrador assim se refere:

“Eu vou logo para o Brasil quando os alemães deixarem. Já fui preso duas vezes. Depois eu conto. A Alemanha vai ganhar nesta guerra.”

 

No EP 92, o autor faz uso da metalinguagem mais uma vez ao traduzir em poema mais um fragmento da sua narrativa:

“ESTELÁRIO

Coração esperançava esperançoso

Começo claro da noite cidadina

Retalhos grandes de nuvens

E duas estrelas vivas

Trem rolava com minha estrela

Bordando a vida fabricadora

Do Brás à Luz

Rolah estrelava o Hotel Suíço”

Com presença da sonoridade já vista antes e destacada nesse texto, tanto com consoantes, quando com vogais (não uso os nomes técnicos desses fenômenos linguísticos para provocar nos possíveis leitores, a curiosidade). Também outras referências à cidade de São Paulo estão presentes.

O jogo do bicho aparece no EP seguinte, para assim, configurar o posicionamento nada convencional do autor, muito mais do que o do narrador.

No 100º EP, cujo título lembra mais uma provocação, o narrador confirma mais uma vez sua origem social e econômica com as viagens a Paris, a compra de livros; neste caso temos a divulgação de obras literárias, outro fator determinante de classe, a alfabetização e a aquisição de livros, o uso de termos em francês, isto é, o autor do pedido, sabe(ou supostamente sabe) falar o idioma como podemos constatar no parágrafo seguinte:

 

“Não se esqueça de me trazer novos romances. Já acabei de ler o Primo Basílio que muito me fez chorar. O Dr. Pepe Esborracha emprestou-me Les civilisés e prometeu trazer outros livros quando ele vier. Veja se achas na livraria Garraux a Arte de Bem Escrever do Padre Albalat e La garçonne que dizem que é muito bonito e são as últimas novidades de Paris.

Não se esqueça de todas as minhas outras encomendas e traga também um par de sapatos de lona branca para Celiazinha.”

 

Um dos poucos momentos em que há diálogos de modo explícito, com a presença dos sinais gráficos como o travessão -  na narrativa, ocorre no EP 103.

O EP 117, O Emprestador de livro, traz novamente a referência aos livros com umm vocabulário ácido, sarcástico, vejamos:

“Uma recaída do resfriado de Celiazinha pusera outra vez em evidência a sabença calomelânica do Dr. Pepe Esborracha.” Qualidade atribuída ao doutor por causa da calomelano, Cloreto mercuroso, de qualidades purgativas. (in Dicionário melhoramentos).

 

Mais uma atualidade oswaldiana – com o sarcasmo costumeiro - está presente no EP 119 , “Companhia Industrial e Segurista de Imóveis Móveis aceitara o negocio depois do vesgo exame do grande advogado Bica-Bam-Buda.”

 

Agora, a partir do EF 129, cujo título é ATO III. CENA I, a narrativa traz elementos do teatro, provavelmente para indicar que os personagens encenam como atuarão perante os demais, numa associação com as pessoas reais, isto é, que fazem de conta, representam seus sentimentos, suas emoções assim quando querem. Também usados os termos

BASTIDORES”, EF 133.

No EP 135 O Poeta romano, nascido na França, o autor de Satiricon é citado; in Wikipedia.

 

Em A Denúncia, EF 139, o autor faz uma brincadeira com a onomatopeia do toque do telefone com o termo composto, tim por tim, isto é, um modo de se referir a uma narrativa contada nos mínimos detalhes.

No EF 140 dois momentos de diversão para adultos são citados: ! ] com a frase, “Tirei linha à vontade “, possivelmente uma gíria da época cujo significado não conheço; outras aparecem nesse mesmo espaço. 2º uma referencia a um bar muito conhecido mais adiante em outra obra literária, o Bataclan: Preciso identificar o significado desse termo, nome do prostíbulo de Gabriela, Jorge Amado, inclusive saber por que está separado por sílabas.

 

No EF seguinte, mais duas pérolas de figuras de estilo e com as de linguagem são usadas:

I - “Inventados inventários em maços de almaços” – aliteração com ironia

II – “Um silêncio ecoou a aparição do súbito homem célebre teso como um taco moreno.” Que lindo paradoxo:  silêncio que ecoa.

Em EF 143, “ E tia Gabriela sogra granadeira grasnou graves grosas de infâmias.”, mais uma brincadeira sonora com um claro propósito de se dirigir a alguém que não tenha caído no gosto do narrador.

A narrativa no fórum, EF 145, para os protestos contra o narrador, o título do capítulo é uma referência ao discurso repetitivo que ouviam, pois eram muitas as dívidas.

O EF, seguinte, cujo título, VERBO CRACKAR é um Fantástico poema para ilustrar a quebradeira financeira:

 

“Eu empobreço de repente

Tu enriqueces por minha causa

Ele azula para o sertão

Nós entramos em concordata

Vós protestais por preferência

Eles escafedem a massa

Sê pirata

Sede trouxas

Abrindo o pala

Pessoal sarado.

 

Oxalá que eu tivesse sabido que esse verbo era irregular.”

 

No EF “156. BATEM SINOS POR D. CÉLIA” Por que o geógrafo se chama assim e com este sobrenome?, “o eloqüente confrade e ilustre geógrafo, Dr. Pôncio Pilatos da Glória”. Por que nada fez pela exploração das terras devolutas desse país? Mais um sarcasmo do autor.

 

Em mais um diálogo do narrador com o eu-lírico, ambos criação do autor e sua verve inventiva e mais um poema nessa narrativa multi-gênero, o autor nos brinda com deliciosos versos quando vai nos aproximando dos momentos finais dessa jornada:

 

“158. RECREIO PINGUE-PONGUE

Miramar a vida é relativa

O acontecido não teria sido

Se nascesses só

Sem a mãe que te deixou virtudes caladas

O acontecido te ofertou

A filhinha de olhos claros

Abertos para os dias a vir

És o elo duma cadeia infinita

Abraça o Dr. Mandarim

E soma ele ao azul desta manhã

Louça”

 

“Nosso apartamento na casa art-nouveau de Madame Kolny, Praça  do Arouche frente ao pára-sol folhudo de D. Flor Vermelha, tinha dois quartos quadrados e um jardim de invernais orquídeas como saudades.” Uma referência a Mario de Andrade no EF 159. SERÃO DOS CONFORMADOS?

 

O EF160, um DISCURSO ANÁLOGO AO APAGAMENTO DA LUZ DURANTE O FOX-TROT PELO DR. MANDARIM PEDROSO, um capítulo que foge aos demais pela extensão: devo rever e reler. Mas não sei quando.

A narrativa é encerrada com ENTREVISTA ENTREVISTA, assim mesmo, repetido, Episódio-Fragmento 163, Um diálogo conclusivo e também uma conversa com o leitor.

 

Olha o nome do hotel, quanta semelhança com o sobrenome do personagem que dá nome ao título.

Sestri Levante Hotel Miramare. 1923.

 

 O texto usado para este ensaio foi o coletado no seguinte endereço, https://www.aedi.ufpa.br/parfor/letras/images/documentos/atividadesadistancia_jan2016/Francisco_ewerton/memorias_sentimentais_de_joao_miramar_-_%20oswald_%20de_andrade.pdf, acessado às 11:33h, do dia 24 de julho de 2021.

ATENÇÃO - RSRSRS - O texto não foi revisado pelo autor.

terça-feira, 30 de março de 2021

 O texto abaixo, um resumo estendido, foi apresentado no IX Encontro de Sociolinguística, ocorrido na UFBA, U. F. da Bahia, nos dia 01 e 02 de agosto de 2019,  cujo tema foi SOCIOLINGUÍSTICA : QUEBRANDO TABUS E INOVANDO NA ESCOLA. Torno público esse texto de apresentação somente agora porque o trabalho concorreu a uma vaga em publicação de uma revista científica dessa mesma Universidade.






A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO MÉDIO

Marcos José de Souza*

RESUMO: Nossa investigação tem como foco a presença da variação linguística como conteúdo de estudo nos livros de Língua Portuguesa do Ensino Médio, utilizados no período de 2001 a 2017, pelo autor desse trabalho como docente de Língua Portuguesa em uma escola no município de Fátima-Bahia. O objetivo geral é verificar como o tema deste trabalho aparece nos livros didáticos e o tratamento dado pelos autores via textos e atividades para o estudo dele em sala de aula. Para tanto fizemos a catalogação das 06(seis) coleções usadas naquele período, fazendo o levantamento preliminar de todas as ocorrências e localizando o momento em que o conteúdo aparece no livro didático (e quando aparece); em seguida analisamos todas as ocorrências de cada coleção. A segunda fase da elaboração do artigo deu-se com o cotejamento dos resultados da investigação daquela primeira fase, com algumas das principais autoridades no tema da Sociolinguística e ainda com o que dizem os documentos orientadores produzidos e divulgados pelo Ministério da Educação para o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Constatamos que o tema Variação Linguística está presente em 05(cinco) das coleções usadas e em todas as ocorrências, tanto os textos, quanto as atividades de compreensão e de análise primam pelo conhecimento e pelo respeito à diversidade da Língua Portuguesa. Entretanto, mesmo sob a égide combater o preconceito linguístico, alguns estereótipos permanecem, o que pode ser configurado com preconceito linguístico. São usados bons textos dos mais variados gêneros e tipos e de diversos autores nacionais, de todos os cantos do Brasil, incluindo trechos teóricos nos exercícios acima apontados. Este artigo tem uma relação direta com o nosso trabalho cotidiano na docência de Língua Portuguesa, pois enfatizamos a diversidade, inclusive com os exemplos do cotidiano dos nossos alunos, uma vez que a maioria absoluta é residente na zona rural e mesmo em um pequeno município como o nosso, a variação é presente, inclusive no meio em que os alunos vivem, sendo essa variação marcadamente identificada pela faixa etária dos sujeitos. Enquanto os jovens e as crianças frequentam a escola, os idosos não frequentaram e entre os adultos o índice ainda é baixo. Por este e outros motivos nossa sala de aula sempre foi um laboratório vivo, com diversidade linguística e, por extensão, cultural.

 

PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística; livro didático; Ensino Médio; Sociolinguística; língua portuguesa; Diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Médio