sábado, 11 de julho de 2020


 









 
O Cinema e a Literatura e o Cinema e a História há mais de um século vem construindo olhares, dialogando saberes, criando arte. Revivendo, revisitando, contestando, criando novos olhares, novas possibilidades de arte. É o que vem nos propondo Sergio Rezende nestas duas semanas ao revisitar elaborando novas(?) narrativas para fenômenos e pessoas historicamente situadas na História do Brasil, oficial ou não, mas que marcaram seu tempo e seu lugar na vida desse país. Mesmo atribuindo o substantivo “pessoa” sabemos que elas agiram dentro de circunstâncias coletivas, direta e indiretamente.
As pessoas às quais me referi acima são as mesmas que dão nomes aos filmes, trata-se de Lamarca e Zuzu Angel (já analisada em momento anterior a este), cujas vidas se entrelaçam movidas por interesses semelhantes e agora, temos um episódio histórico, a guerra de Canudos, uma ofensiva do Governo da União, via ação do Exército brasileiro, em terras brasileiras, que ocorreu no final do século XIX, no Estado da Bahia, onde hoje se situa o município de Canudos. Outro diferencial desta película frente às duas primeiras é que o diretor além de dialogar com a História, como ocorre com as demais, também recorre à Literatura para produzir seu roteiro e sua obra, o filme, lançado em 1997, Guerra de Canudos.
Para tratar do tema – episódio histórico – Rezende faz uso direto de romances(?) de dois autores consagrados pelos trabalhos realizados sobre este mesmo episódio, a guerra de Canudos, a saber, O Rei dos Jagunços, de Manuel Benício e Os Sertões, de Euclides da Cunha, sendo esta segunda consagrada como obra prima nacional e internacional como análise explicativa deste momento/episódio da nossa história. Vale ressaltar que foi publicado um livro sobre a produção deste filme cuja autoria esteve a cargo da esposa dele, Nilza Rezende, no qual afirma-se que a película tem como fontes de informação os livros citados acima.
A película traz um diferencial, para quem conhecia a história do episódio, ao colocar como protagonista um núcleo familiar e dentro, a filha mais velha, Luísa, assume a liderança diegética. O diferencial, frente ao título do filme e ao conhecimento do momento episódio, deve-se ao fato de que a guerra foi motivada pela existência de um beato peregrino, Antonio Conselheiro que com seu séquito, fundou uma cidade, o Belo Monte e lá construiu uma sociedade com tendências igualitárias onde toda a produção era dividida para todos, possuindo códigos de ética e de conduta próprios, enfim uma microssociedade brasileira alheia à República recém instalada.
Com a cidade se desenvolvendo sua vida diferenciada e tornando-se conhecida pelas imediações não tão próximas assim, foi conquistando ainda mais adeptos – cuja conhecimento advém das andanças do líder, Antonio Conselheiro – e adversários, dentre eles, o governo baiano, inicialmente, e depois o governo federal, que começam a agir contra aquela população. Outro grande adversário que foi sendo construído ao longo da caminhada de A. Conselheiro foi a Igreja Católica que perdeu adeptos e força perante  a população da região frente ao carisma do líder que segundo consta, pregava e praticava boas obras e acolhia os necessitados, se alimentando pouco, dormindo em situações precárias, até no chão, diferentemente da Igreja que somente exercia poder e controle sobre os fieis e usufruía dos beneplácitos das ofertas desses mesmos fieis.
O período histórico abordado pelo filme é de 04(quatro) anos, portanto um bom tempo de vida para uma cidade construída à mão e em tempo também reduzido, haja visto que a vida de peregrinação do seu líder começara no Ceará e, a pé, pelos sertões de todos os Estados da atual região Nordeste, exceto o Maranhão, temos praticamente uma década de vida

E do que trata, então, a película? Partindo do próprio título Guerra de Canudos, temos a ação do governo republicano e suas novas regras de convivência e de subserviência, aliadas à intimidação e violência com a investida do Exército  contra o povo do Belo Monte e contra a própria cidade, pois como vimos, ela foi incendiada, mesmo tendo sendo vencido o conflito bélico. Internamente à ação desses atores temos outro núcleo gerador da narrativa – a família de Zé Lucena -, citado acima, tendo como protagonista desse núcleo o personagem Luísa. É ela quem faz o contraponto entre os antípodas Belo Monte e Exército.
O filme vai intercalando o conflito com a vida de Luísa: inicialmente sua fuga de casa, em pleno momento em que A. Conselheiro e seu séquito convidam a família dela a seguirem juntos. Em seguida sua vida de prostituta, quando começa a analisar a nova vida que surge no sertão, ao se envolver com um barão, a ouvir relatos de soldados, da gente do lugar e até mesmo de quem participa da guerra, nos campos de batalha. Daí, casa-se com um soldado desertor, o que lhe dará mais informações e experiência de vida, inclusive morando no campo de batalha.
Por fim, ao perder o marido para a guerra, passa a conviver com um tenente, já nos momentos finais do conflito, quando tem os últimos contato com a família – já sem o irmão – Luísa vai entendendo que ao mesmo tempo que incompreendeu A. Conselheiro, o Exército é exatamente o contrário do que apregoa, pois vê o atual companheiro lançar bombas sobre as casas e também vê a própria mãe ser assassinada pelos soldados, mesmo já sob o controle deles e com as mãos amarradas.
Desse modo e pelo exposto acima, temos em Guerra de Canudos, de Sergio Rezende, uma obra de cunho histórico, fez história dando destaque, visibilidade, a um episódio histórico importante para o povo brasileiro, mas com pouca penetração no universo escolar e cultural deste país. Por esses motivos consideramos ser o diretor um cineasta historiador e seu filme agente histórico, uma vez que o tema é de pouco conhecimento popular e sua produção diminui esse fosso, em face principalmente de que sua primeira versão foi uma minissérie televisiva, portanto de forte apelo popular. Também o consideramos uma fonte histórica haja visto essa popularização alcançada via televisão em tempos de informação “fast-food” (rapidez no acesso, porém com difícil ou nenhuma absorção) por meios eletrônicos e digitais, isto é, além dos livros e artigos e outros fontes textuais que tratam do tema, temos a Guerra de Canudos em filme, uma opção para os novos pesquisadores.




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