domingo, 10 de abril de 2016

Mario Gusmão, o anjo negro da Bahia é a grande estrela de Glauber em Dragão da maldade contra o santo guerreiro
Da cozinha ouve-se a fina flor da musica importada do States United of the America; da rua vem a melodia gostosa , manhosa, caliente do arrocha com a voz macia do grande Silvano Sales e da sala, a mais genuína musica brasileira, a dita folclórica, presente nas várias cenas de O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha. Eis o caldeirão cultural brasileiro, o qual, da nossa parte, convive em perfeita harmonia.
Mas nosso intento aqui é conversar com vocês sobre algumas cenas do filme e destacando na película o grande Mario Gusmão, o Oxóssi/São Jorge na narrativa fílmica, o homenageado no 6º FECIBA, o Festival de Cinema Baiano - vejam página no Facebook. O filme do Glauber está disponível no canal You Tube.
O filme narra as trajetórias que se cruzam: Coirano, o cangaceiro que vinga a morte de Lampião e Antonio das Mortes, matador de aluguel, presente no filme anterior, o Deus e do Diabo na Terra do Sol, também de G. Rocha. Mesclando a musica do povo, dita folclórica, com a clássica; o Catolicismo e o Candomblé e o que está nas entranhas de todas essas faces: a luta de classes. De um lado os coroneis e , do outro, o povo. Sem comida, sem moradia, sem trabalho, aos desmandos das vontades de poucos. Eis o que nos oferece o Glauber.
 O senhor é um homem formado, mas a minha ignorância tem vergonha, é uma das grandes frases que marcam o filme, dita por Antonio das Mortes ao delegado, ao recusar a proposta deste para assassinar o coronel e mandante do lugar, cuja esposa era amante do delegado, para o que receberia uma fazendinha como recompensa.
A cena da tentativa de assassinato do coronel enquanto ao fundo estavam as imagens de Cristo e da Virgem Maria é outro momento antológico do filme, mostrando a ironia ferina do discurso glauberiano. Detalhe importante: o coronel era cego.
A cena do remorso coletivo: o professor, a mulher do coronel, o padre e o delegado morto. Mostra como os três apaniguados e asseclas do rei, neste caso, o coronel, foram acometidos. Este momento acontece após a tentativa de assassinato do coronel ter sido frustrada. Para esse momento lembrei do texto de um jovem francês, Ettiene de La Boetie, que viveu no século XVI, Discurso sobre a servidão voluntária. O qual também serve para outra cena na qual o coronel, já se sentindo vingado do adultério, é carregado nos braços pelo povo e ao lado da mulher.
Outro grande remorso é o de Antonio das Mortes após um diálogo com a Santa: no momento em que ele carrega o professor pelas ruas da cidade, aparece uma placa de Mogi das Cruzes, SP e as palavras da Santa martelando em sua mente porque ele matou o cangaceiro e que esta morte representará a morte do povo do lugar, cuja previsão é concretizada: Ai arrebenta a guerra sem fim, repetida três vezes e, em seguida, ao som de levanta sacode a poeira e dá a volta por cima, sucesso popular na época do filme (outras músicas esclarecedoras da narrativa dão um toque especial ao filme). Na cidade, vários nomes de estabelecimentos comerciais indicam a confusão mental que Antonio das Mortes vem sofrendo.
O cangaceiro surge ao modo de Cristo na cruz e o professor retirando as armas dele sugerindo que tomaria uma atitude diante dos fatos. E ao fundo um violeiro tipicamente catingueiro canta modas com enfoque político social. O que pode sugerir este conjunto de cenas de personagens?
A cena final deve ir para um museu, pois é antológica: montado em um cavalo branco eis que surgem a Santa e no comando, o grande Oxóssi/São Jorge, e encarnando-o, Mario Gusmão, acabam com a batalha ferindo mortalmente com sua lança o sanguinário coronel. E, ironicamente, no chão, puxando a rédea, o padre, numa clara alusão da subserviência da Igreja Católica aos verdadeiros valores religiosos do povo do sertão dos Estados do Nordeste brasileiro, o Sincretismo da união ou culto simultâneo do Candomblé com aquela instituição religiosa, bem ao gosto do que Euclides da Cunha afirmara em Os Sertões, o sertanejo é uma rocha, isto é, mineral fruto da junção de outros minerais, o povo do sertão, gente branca, negra e índigena.
Mario Gusmão emprestando ao filme sua envergadura dramática e, como Oxóssi, “benzendo” o ex-cangaceiro volteando-o por três vezes e depois se seguindo caminho. É a cena final.
O título do nosso texto traz o nome de um documentário sobre o grande Mário, de autoria de Elson Rosário, também presente no Festival.

VIVA MÁRIO GUSMÃO, VIVA O FECIBA!!!!!

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