domingo, 22 de maio de 2016

Burguesia baiana em veraneio, saúde publica, pescaria e outros experimentos itaparicanos – um breve estudo ensaístico sobre a obra O Sorriso do Lagarto, de João Ubaldo Ribeiro.
Ouço aquele vozeirão desgastado pelo uísque e pelo cigarro a todo instante, até mesmo quando não o leio, somente mesmo pela recordação de algum texto seu e, principalmente quando o vi/vejo em entrevistas. E de toda essa nossa amizade(?) o episódio que me chamou mais a atenção foi quando ele mudou-se para Berlim e o jornal A TARDE(verei a data em outro momento), publicou: João Ubaldo troca o calor de Itaparica, pelo frio de Berlim. Naquele dia aumentou ainda mais nossa amizade e dali em diante me aproximei ainda mais daquele bigodudo, pirracento, mas muito criativo, cujo primeiro contato real nosso deu-se em meados dos anos em uma adaptação para a televisão, desta obra que ora comento, realizada pela Rede Globo de Televisão (vejam que essa emissora não pode ser “castigada” pelo baixo moralismo de seu telejornalismo, as minisséries salvam a “pátria” dela – nem tudo está perdido).
Neste ano de 2015, ops, passado, fiz algumas novas leituras de um livro de crônicas e outro denominado “para ser lido na escola”, (não menciono os nomes exatamente para estimular a curiosidade dos meus amigos e amigas) os quais foram utilizados como leitura obrigatória para as turmas da primeira série do Ensino Médio, nível de ensino que atuo desde 2001. Isso mesmo, leitura obrigatória com exposição oral para os colegas, cujo expositor, com mais 4 ou 5 colegas ficam de frente para a classe e “contam” a história lida, seja ela conto, crônica ou reportagem.


Esse recomeço de amizade nos fez tirar da lista de prioridades o grande O SORRISO DO LAGARTO, é isso mesmo que vocês leram, RETIREI da lista e fiz a leitura, enfim, depois de ter comprado um exemplar há exatos 05(cinco) anos. Um livro dividido em  10(dez) capítulos, os quais apresentando divisões internas sem numeração, em “quadros” deste novelão. E ler “O Sorriso” nos aproximou ainda mais daquele pé de cana itaparicajuano- misto de quem é de Aracaju, onde nasceu, com Itaparica, onde viveu e fazia parte da paisagem da ilha, muito frequentada por turistas, inclusive esta condição ele cita em algumas crônicas e até mesmo entrevista.
Iniciar a leitura do livro O sorriso do lagarto, para quem viu minissérie televisiva, necessariamente é levado a se enredar na modorra praiana de Ubaldo. Sem querer querendo, como diria um filósofo mexicano bem conhecido dos brasileiros de todas as idades, o narrador vai nos cansando com o vento, o sol, a maresia e, por fim, já exaustos, com o balanço do mar.
Queremos introduzir o lagarto sorridente logo nas primeiras páginas, mas ele não aparece (ou somos nós que não o enxergamos? A releitura do primeiro capítulo não foi realizada, o que faço costumeiramente, fato que provocará alterações de juízo de valor da nossa parte sobre esse nosso próprio texto), mas voltemos ao ... enredo, pescaria, maresia, sol, mar, ilha de Itaparica...huuuummmmm, delicia!!!!!


Eis, em breves palavras, o recado “literário” d’O Sorriso: A Ilha de Itaparica, Baía de Todos os Santos, é o cenário predominante das ações em que um grupo de pescadores residentes na ilha e outro grupo de veranistas da burguesia baiana coexistem e cruzam seus caminhos. Em determinado momento, um ilhéu, pescador, mas com formação acadêmica em Biologia, é convidado por outro a fim de ouvir uma confissão a respeito de criaturas estranhas, feita por outro morador da ilha, muito famoso por suas práticas medicinais “populares”. A partir desse encontro os mistérios são ampliados e outros personagens são inseridos como protagonistas, um médico, um padre e um “político, médico e rico”. A notícia se espalha, mas a tese da existências de seres híbridos e rechaçada com escárnio pelos idealizadores da experiência e, para apimentar a trama, o pescador e biólogo e a esposa do político decidem tornar publico o relacionamento amoroso entre eles, o que é descoberto pelo cônjuge dela (o pescador é solteiro). O assassinato do amante a doença psíquica da esposa, permitiram que os veranistas continuassem seus passeios  e festas com a tranquilidade de sempre e o sorriso do lagarto, conhecido somente daqueles dois, o desaparecido e o padre, que fora mudado de paróquia.

E APÓS A SEGUNDA LEITURA...............
Eis que retomo a crônica(?) ubaldiana(para fazer coro ao discurso acadêmico acostumado a criar adjetivos para autores), dessa vez com a releitura do primeiro capítulo, no intuito de enxergar o que foi visto/lido na primeira leitura.
Neste momento destacarei alguns temas, os quais considero centrais para o enredamento de quem lê a narrativa: A EXPERIMENTAÇÃO CIENTÍFICA(adiante justificarei essa denominação em detrimento de experiência), JORNALISMO, BURGUESIA BAIANA, CONVERSAS COM O LEITOR e outros que poderão aparecer no desenvolvimento do presente trabalho. Para isso farei uso de trechos da narrativa, somente do capítulo e dos dois últimos, tendo em vista o tamanho do texto que pretendo elaborar, não ultrapassando o limite autoimposto de cinco páginas – que não será respeitado.
O inicio do romance faz um elo com o seu encerramento ao declarar para o leitor – com quem dialoga na abertura e provoca a reflexão, na conclusão:
Talvez isto não fique ainda por muito tempo, mas o exame consciencioso dos fatos que levaram aos acontecimentos principais deste relato mostra que a sua primeira cena se desenrolou em data já um pouco distante, sem que ninguém então pudesse saber o que pressagiava. (p. 9)
Esses trechos conferem um ritmo reflexivo que a crônica provoca, conforme destaquei pouco acima (Evidentemente que a menção a relato também pode conferir outro gênero textual, mas deixemos aos demais interessados na leitura atribuir outros e outras gêneros e formas).
Como a trama se desenvolve hegemonicamente na Ilha de Itaparica, o Rei Sol e o todo poderoso Oceano Atlântico, singularizado pela Baía de Todos os Santos foram-nos apresentados na primeira página. Desta feita, bem ao gosto do nosso querido Euclides da Cunha, o boêmio João Ubaldo não desperdiço do vernáculo português e, assim, nos enriqueceu com algumas pérolas para descrever a paisagem local. A soalheira dá o toque principal, seguida de – e que provoca -  fulgência metálica, contracosta da ilha, neblina translúcida, revérbero desnatural, sulcos niquelados, fender velozmente, mormaço vítreo.
Os indícios para o fenômeno sobrenatural(?) que nomeia o romance vão surgindo de modo sutil, bem ao gosto  do bom escritor, e no estilo tranquilo que um dos seus protagonistas possui – isso mesmo, entendo que nesta narrativa haja mais de um deles – vão percebendo, mas sem nos dar conta que estamos percebendo. O primeiro desses “sinais” dá-se quando dois meninos mostram para o nosso interlocutor, um calanguinho de dois rabos que ri depois que os três riram sobre um episódio da conversa deles mesmos.
Logo no parágrafo seguinte – mas após um salto no tempo narrativo ilustrado pelo período Agora, tanto tempo depois, a troco de nada, João Pedroso recorda esse dia esquisito, ...(p. 12) o indício do surreal, que anteriormente denominei de sobrenatural , reaparece. Dessa vez o animalzinho é visto por este protagonista: Apurou a vista, aprumou os óculos e não conseguia saber direito se o que via era alguma coisa distorcida ou imaginária, mas o calango de fato parecia envolvido numa atmosfera de riso. Algo sugeria que estava mesmo sorrindo. Não era, contudo, uma visão agradável, porque tinha um pouco, talvez muito de mofa no sorriso, quase hostilidade. (p. 13)
Deste momento em diante o leitor é conduzido por um enredo que, aparentemente se distancia do episódio, vindo somente a ser explícito somente na página 175, no episódio em que esse mesmo protagonista é convidado por um líder religioso local a fim de ter consigo dividida a tarefa de proteger as pessoas envolvidas nas experiências cientificas, anunciadas de modo sutil nas páginas iniciais e indicadas no parágrafo anterior.
Nos chama a atenção para um breve destaque é o papel da imprensa em dois momentos: no primeiro, o médico responsável pelas experimentações científicas convida João Pedroso para uma coletiva – este é biólogo, mas leva a vida como pescador e peixeiro, mas não o deixam falar. As atenções são voltadas somente para o diretor do Hospital, do médico Lucio Nemésio. Num segundo momento, após o biólogo e o padre tomarem conhecimento das experimentações, e os dois fazem a denuncia, mas suas versões são distorcidas pelas “autoridades”, tornando-as informações ridículas e irreais, fato que os isola da sociedade local, pois para a população, tanto o biólogo, quanto o padre estão delirando. Em outras palavras, o que se torna notícia e o modo como são veiculadas,  passa-se pelo crivo dos donos dos meios de  comunicação.
Enfim, posto já ter me alongado neste anunciado breve ensaio, destaco a acidez do próprio autor, na fala do narrador. Em vários momentos tem-se a nítida impressão de que estamos ouvindo o vozeirão rouco do autor ao fazer referência ao ...um sergipaninho que estuda como um celerado... e ...o sergipaninho aposta a peixeira dele como é... (esta referencia acontece no diálogo do médico com o biólogo logo no capítulo, na p. 38);  ao citar o modo como outro médico, o dr. Ângelo Marcos tornou-se político de esquerda, mas vive das benesses da direita ao se tornar político de prestígio e de ter enriquecido às custas do erário; até mesmo o PT é citado quando este mesmo médico, fica na dúvida de qual roupa vestir, como vemos na p. 19, Muito bem, a hora de escolher a roupa. Um terno leve, por causa do calor da ilha. Mas terno e gravata, nada dessa cafejestada populista, que está na moda agora, coisa de baixa extração tipo PT.
Ler O Sorriso do Lagarto proporcionou ainda mais a minha ligação com João Ubaldo Ribeiro, com quem mantinha aproximação desde a infância quando via suas entrevistas. Ser escritor, irônico, morador da ilha de Itaparica eram os ingredientes principais dessa relação. Os próximos a serem lido e relidos são, na ordem, Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro. O primeiro será lido mais uma vez, pois já o utilizei como leitura obrigatória há cerca de 05(cinco) anos para as turmas de terceira série do CELEM, escola onde trabalho desde 2001 e por 03(três) anos consecutivos. O segundo, enfim, do mesmo modo que Dom Quixote, será lido na totalidade, uma vez que nas diversas tentativas com ambos, nunca passei da primeira página. Mas, do mesmo modo que atravessei o Grande sertão:veredas, do enorme João Guimarães Rosa, atravessa-lo-eis.
Inté!!!!! Sem revisão.



O trabalho aqui foi elaborado sem qualquer leitura anterior sobre o romance O Sorriso do Lagarto – o que farei em momento posterior  - é uma publicação Record/Altaya, da coleção Mestres da Literatura Contemporânea, cujos direitos estão reservados a editora Nova Fronteira, e o ano é o de 1989.


                              Manhã de domingo, com o sol de verão em pleno outono, aos vinte e dois dias de mais um mês de maio.

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