terça-feira, 15 de setembro de 2020

 

Cinema e História, Marc Ferro. Tradução Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1992.

 

Ao ser apresentado a este pequeno, fecundo e fundante livro – este último adjetivo com destaque para o autor desse texto – pelo meu querido amigo e atualmente meu professor da disciplina Cinema e História, o Prof. dr. Hamílcar Dantas, no Mestrado Interdisciplinar em Cinema pela Universidade Federal de Sergipe, tive a agradável surpresa de ler um dos mais leves textos teóricos, mas sem deixar a profundidade de análise, que une o prazer do Cinema com o vasto campo do conhecimento histórico. O objetivo do livro é mostrar como o Cinema pode, e deve ser considerado, fonte histórica, independentemente se a produção é um documentário ou uma ficção.

Dividido em 14(catorze) capítulos de tamanhos e anos de produção diferentes, Marc Ferro vai analisando filmes históricos, sem fazer menção a este adjetivo, produzidos na URSS (alguns na Alemanha) cujo tempo cobre 05 anos de produção entre o primeiro, de 1971, e os últimos, de 1976. No índice, o primeiro texto está entre os mais novos, feito para apresentar o percurso metodológico e analítico cujo titulo é Coordenadas para uma pesquisa. Nele o autor constroi algumas teses, apresentadas pelo seguinte trecho: Entre cinema e história, as inferências são múltiplas, por exemplo: na confluência entre a História que se faz e a História compreendida como relação de nosso tempo, como explicação do devir das sociedades. Em todos esses pontos o cinema intervém.(p. 13)

Esse trecho de abertura dá a tônica do debate e da explanação que Marc Ferro constroi nas suas 143 páginas. Cujas teses são as seguintes:

1.      O Cinema é agente da história;

2.      Com o seu modo próprio de expressar, da narrar, o Cinema opera um impacto no espectador, pois este tem a sensação de estar vivendo o momento histórico abordado;

3.      O Cinema é um embate entre a sociedade que o produz e a sociedade que o recebe;

4.      O Cinema produz uma leitura histórica do passado e pode confrontar a tese do historiador.

No que tange à ideologia predominante do Estado, às vezes o cineasta consegue ir além da propaganda oficial e até expor lacunas desse patrão, o Estado, uma vez que fazer cinema é fazer arte, e a subversividade é uma característica de toda e qualquer arte.

Os filmes produzidos a favor ou contra determinado país está de acordo com o momento e, assim, ao sabor das novas relações entre os Estados Nacionais, isto é, podemos assistir a filmes com visões diferentes sobre um mesmo país, feitos em momentos distintos da História, e por diretores de uma mesma nacionalidade.

 

Ferro em um dado momento de seu livro, na parte intitulada Sociedade que produz Sociedade que recebe, analisa dois filmes que receberam críticas contrárias, mas que fizeram muito sucesso de bilheteria, são eles: O Terceiro Homem, de Carol Reed e A Grande ilusão, de Robert Rossen. Ambos puserem em cheque a capacidade das sociedades hegemônicas da época, EUA e Reino Unido ao incluir temas como judeus, homossexualidade e outros como passiveis de convivência social e dotados de capacidade como qualquer ser humano.

Um dos capítulos do livro é uma entrevista que o autor concedeu aos Cahiers du Cinéma, em 1975, intitulado Sobre três maneiras de escrever a história, no qual, novamente, sustenta a tese de ser o Cinema uma fonte histórica. Segundo ele o Cinema foi desacreditado por algum tempo, mas após o primeiro grande conflito mundial seu poder de registro – ficção ou não ficção – passou a ser respeitado, inclusive os nazistas foram os que mais o utilizaram como veículo de propaganda e disseminação desse mesmo poder, nazista. Por isso e por outros motivos, temos uma grande fonte que faz história na História, como o próprio autor costuma usar as iniciais minúscula e maiúscula para o mesmo termo em determinados momentos do livro, numa clara provocação ao poder constituído, dessa vez, pelos historiadores de formação, não diretores de cinema.

No seu maior capítulo, O Filme: uma contra-análise da sociedade?, o autor continua a nos instigar a pensar esse objeto como fonte histórica para o historiador e faz a seguinte ressalva metodológica. O filme, aqui, não está sendo considerado do ponto de vista semiológico. Também não se trata de estética ou de história do cinema. Ele está sendo observado não como uma obra de arte, mas sim como um produto, uma imagem-objeto, cujas significações não são somente cinematográficas.(p. 87)

Ler e estudar Cinema e História de Marc Ferro é um exercício dos mais agradáveis, pois reúne ciência e arte e nos leva necessariamente também a ver os filmes analisados pelo autor, ao tempo em que nos instiga a construir nossas teses para outros filmes, inclusive os nacionais.

Por marcos josé de souza

15 de Setembro de 2020

 

2 comentários:

  1. Bela resenha, Marcos. Fez uma boa síntese das ideias de Marc Ferro, instigando-nos a conhecer a obra. Um excelente convite para quem quer entender as conexões entre Cinema e História, além de uma provocação aos que ainda torcem o nariz contra os usos do cinema para entender a história e ressignificá-la. Valeu demais!

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    1. Até que enfim te respondo, meu querido professor: obrigado pela participação e sigamos nessa empreitada de fazer valer o caráter científico, ou não, mas sempre possível e necessário do uso do Cinema como fonte histórica. Avante

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