segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Um passeio pela saga de Antônio Conselheiro através do olhar de um latinoamericano peruano.

 

A Guerra do fim do mundo, Mario Vargas Llosa, 1981

A saga de Antônio Conselheiro na maior aventura literária do nosso tempo

Prêmio Ernest Hemingway 1985

Publicação da Francisco Alves, 17ª edição,1990

Tradução de Remy Gorga, filho





O primeiro contato que tivemos com a saga A Guerra do Fim do Mundo, de Mário Vargas Llosa, se deu por acaso quando uma um exemplar da revista Veja caiu em minhas mãos e, nas famosas páginas amarelas, fui atraído pelo título da entrevista - do qual não me recordo -, feita com o escritor. E aí a partir da Leitura foi identificando como as perguntas, e principalmente as respostas dadas, estavam bem próximos de nós aqui de Fátima, à época recém-emancipado município. E o que aparecia ali?, o nome de Simão Dias, cidade sergipana muito conhecida de todos nós, que da minha lembrança, para usar uma expressão muito cara a psicologia, na minha memória afetiva, fazia parte, pela linhagem materna, minha mãe sendo das matas de Paripiranga e, por isso ela falava muito no município vizinho, mas já Sergipe. Outra aproximação com a cidade dava-se também por alguns estudantes daqui da vila, ainda, quando nossos primeiros aventureiros estudantes que para lá se dirigiram como Milton de Seu Zé da Laje e de dona Lucila.

 

 

Muitos anos se passaram e eu tive o contato físico com o livro há muito tempo, cerca de 20 anos, depois das minhas primeiras leituras com de Os Sertões, de Euclides da Cunha e já sabedor de um pouco do conteúdo via algumas leituras superficiais de revistas e jornais do cotidiano, de que esse livro se tratava de uma ficção, entretanto misto de fatos reais e que o autor se apoderava dos fatos históricos para criar situações. Assumo que tinha ciúmes, pois desde criança me atraiu o Movimento de Canudos e a figura de Antônio conselheiro e, por extensão, o livro Os Sertões e o próprio Euclides da Cunha e não via com bons olhos um estrangeiro se apoderar de nossa história e ainda escrever do seu modo, a história. Pensamento adolescente e limitado o meu.

Já quando passava dos 40 anos adquiri o primeiro exemplar e com pouco tempo depois ganhei de meu amigo, nosso Paulinho, escritor-poeta de Ribeira do Pombal, terra do Beatinho, presente tanto em Os Sertões, quanto em A Guerra do fim do mundo, mas a primeira leitura se deu quase 15 anos depois de ter adquirido o primeiro exemplar

 

Mas e o livro do que trata? Como é de se esperar o próprio título e o subtítulo nos dão informações, não são somente indícios do que trata aquela narrativa. Faço saber que mesmo sendo um catatau de quase 600 páginas, é um livro delicioso de se ler com seus personagens fictícios, outros somente substituídos os nomes como um “determinado” Barão de Canabrava que aparece como uma das figuras centrais na narrativa e evidentemente na narrativa histórica. A primeira dessas quero classificar como literária e para ficar bem claro, nós temos a narrativa literária e uma narrativa histórica. E de tudo o que para mim foi inédito, o que mais me chamou atenção foi a construção do texto que é uma narrativa não linear. O texto é composto por quatro partes o que vai na linha de Os Sertões, dividida em três, entretanto não dá nomes a elas, somente enumera e dentro delas a divisão em capítulos sempre enumerados e dentro de cada capítulo nós temos aquelas narrativas não lineares e nem tão pouco paralelas, pois são quadros que ele vai compondo esse mosaico que são protagonizados, tanto senhores da nobreza - já extinta pela República, mas em termos de Brasil ainda hoje tem gente que se sente pertencente, mas também temos rastreadores, pessoas pobres que conduziam os soldados pelas veredas do Sertão -aqui a palavra veredas exatamente para fazer uma homenagem ao grande João Guimarães Rosa, mulheres simples e cheias de sabedoria, astutas, corajosas, pessoas com deformidades físicas como o Leão de Natuba – ao lerem terão o que de maravilhoso atribuiu a personagem -  era alfabetizado!!! Eu considerei sensacional esta criação, este sujeito histórico, esse personagem e Natuba é a atual Nova Soure. Outros personagens também vão surgindo os quais serão expostos adiante.

Outra percepção que temos ao lermos A Guerra do Fim do Mundo é sua relação com o filme Guerra de Canudos,1997, de Sérgio Rezende, o qual, neste, optou por tratar a guerra de Canudos a partir da ótica da vida de uma família e dentro dessa família, o foco narrativo na filha mais velha, que se rebelou com a presença e a influência de Antônio conselheiro na casa dos próprios pais. Desse modo o filme Guerra de Canudos não trata da vida de Antônio Conselheiro, mas do comportamento e trajetória de uma personagem fictícia, pelo menos até agora é uma criação do diretor, (apesar dos indícios de uma leitura em José Calazans, mas isso é assunto para outro texto), feminista(?), solteira que se prostitui e não abandona o séquito do Conselheiro, apesar de não estar dentro dele, do séquito. Mas como se dá essa contradição? É que ela se prostitui com soldados e depois vai morar com um deles, portanto Exército e séquito do Conselheiro em Campos opostos, mas muito próximos um do outro.

Portanto reitero que o escritor peruano também retrata muito mais a vida de quem cerca Antônio Conselheiro, sejam eles adversários ou companheiros e companheiras, do que o próprio líder. Nós não podemos esquecer que tudo existiu a partir do comportamento da vida que ele construiu para si e foi atraindo seguidoras e seguidores: as intervenções e chegadas nas diversas localidades das regiões Nordeste e Leste - isso mesmo não podemos esquecer que a época o mapa geopolítico do Brasil trazia essas duas regiões - compreendendo sua caminhada iniciada em Quixeramobim, no Ceará, encerrando em na antiga fazenda denominada Canudos Velha, à beira do rio Vaza-Barris, percorrendo principalmente depois do Ceará Pernambuco Sergipe e Bahia (Alagoas, nas minhas leituras não tenho conhecimento dessa passagem pelo Estado alagoano).

Destacarei alguns personagens dentre eles os já citados acima e alguns fatos que considerei cinematográficos como por exemplo a morte dos amantes de Jurema, casada com Rufino, o rastejador que depois foi violentada pelo revolucionário irlandês Galileu Gall – cuja presença não tenho clareza até mesmo da necessidade na narrativa. Ela, Jurema, cujo faz jus à força e determinação feminina tal qual a árvore do semiárido, mais adiante, vai viver um romance quente em pleno tiroteio da guerra, com o jornalista míope, assim mesmo, sem nome que Vargas Llosa homenageia, ao meu ver, Euclides da Cunha.

Outros grande e profundos personagens são as mulheres, aquelas que cuidam da saúde e da religiosidade em Belo Monte, que é o nome dado à cidade de Canudos, pelo Conselheiro e pelos seguidores deste; também temos a esposa do Barão e sua companhia; o padre de Cumbe, colaborador do Belo Monte e pai de algumas crianças; a mãe dessas crias, fruto do relacionamento com esse religioso. Enfim o quadro composto por Vargas Llosa é rico e atende aos gostos literários de muitas e muitos que se aventurem por suas centenas de páginas.

Recomendamos a leitura, a aventura na história, nos conflitos internos e sociais, enfim, pelo conjunto da obra. A duração e o ritmo da leitura são, como sempre, individuais, pois alguém pode ler de 50 a 100 páginas por dia, ou, conforme destaquei aqui, pode ser lido é um ritmo lento, ao fazer somente um quadro de cada capítulo por dia.

PS. Texto não revisado pelo autor.


Nenhum comentário:

Postar um comentário