terça-feira, 19 de dezembro de 2023

 

O PRIMEIRO PLANO E SUAS IMPLICAÇÕES ESTÉTICAS EM NA TERRA DO SOL, 2005, DE LULA OLIVEIRA

 

 

1.      Cinema e Filosofia: dois universos em diálogo

O filme Na Terra do Sol, 2005, dirigido pelo cineasta baiano Lula Oliveira, um canto agônico (SETARO. s/d) é uma releitura de um episódio da conhecida Guerra de Canudos – 1897 a partir do texto de Os Sertões, 1902, do escritor carioca Euclides da Cunha. Trata-se de um curta metragem disponível em dois canais na plataforma de vídeos You Tube, Lula Oliveira e Denisson Padilha.

A diegese fílmica trata de um episódio da guerra, denominada pelo escritor como Últimos dias, no trecho em que narra a resistência de 04(quatro) últimos defensores da cidade ante a ofensiva do Exército Brasileiro, que exterminara toda a população que resistira. No entanto o diretor do filme traduziu esse trecho do livro e da luta, revestindo-o de objetividade e realismo, sem ser fiel à narrativa clássica, mas apoiando-se em um estética visual que explora a expressão fisionômica dos atores a fim de que as imagens traduzissem conceitos universais.

Sobre a objetividade e a subjetividade do filme neo-realista, beleza é assim se manifesta, a citação é longa, mas necessária,

Quanto à distinção entre os subjetivo e o objetivo, ela também tende a perder importância, a medida que a situação óptica ou a descrição visual substituem a ação motora. Pois acabamos caindo no princípio de indeterminabilidade, ou indecernibilidade: não se sabe mais o que é imaginário ou real, físico ou mental na situação, não que sejam confundidas, mas porque não é preciso saber, e nem mesmo alugar para a pergunta. É como se o real eu imaginário corressem um atrás do outro, se refletisse um no outro, em torno de um ponto de intersenabilidade. (DELEUZE, 2005. p.16)

Nosso interlocutor traz uma afirmativa elucidativa que nós poderemos transferir para o filme na Terra do Sol, uma vez que sendo oriundo de uma dupla visão, quais sejam, a de um jornalista que foi designado para cobrir um evento um conflito bélico, que chegou muito tempo depois e foi embora um pouco antes do final desta guerra, em seguida transformou em livro e é a partir desta segunda visão que temos o filme Na Terra do Sol. A duplicidade de quem vê o filme entre a objetividade e a subjetividade que a película promove: onde está a objetividade? Na informação inicial de que o filme se baseia em um livro que trouxe um evento histórico. E a subjetividade exatamente nesta consciência que o indivíduo tem, isto é, no seu conhecimento a partir confronto entre este saber e o momento da exibição do filme que ele ou ela está sendo submetida.

Outro momento, a seguir, que nos provoca a reflexão sobre o filme na Terra do Sol em face de sua riqueza visual e sonora beleza assim nos aponta

"Em suma, as situações óticas e sonoras puras podem ter dois pólos, objetivo e subjetivo, real e imaginário, físico e mental. Mas elas dão lugar a opsignos e sonsignos, que estão sempre fazendo com que os polos se comuniquem, e num sentido ou no outro asseguram as passagens e as conversões, tendendo para um ponto de indiscernibilidade (e não de confusão). (DELEUZE, 2005. p. 18)

1.      A poética fílmica em Na Terra do Sol

A câmera para além do registro visual,

Cumpre o pressentimento de Hitchcock: uma consciência- câmera que não se definiria mais pelos movimentos que é capaz de seguir ou realizar, mas pelas relações mentais nas quais é capaz de entrar. E ela se torna questionante, respondente, objetante, provocante, teorematizante, hipotetizante, experimentante, conforme a lista aberta das conjunções lógicas ("ou", "portanto", "se", "pois", "com efeito", "embora"...), ou conforme as funções de pensamento de um cinema-verdade que, como diz Rouch, na verdade significa verdade do cinema." (DELEUZE, 2005.p. 34)

 

Em Na Terra do Sol nós temos, do início ao fim da diegese, o foco, o plano principal, no rosto dos personagens, portanto, em primeiro plano. É a partir deles que a diegese acontece com as demonstrações de sofrimento, dor, sede, angústia, desespero, mas também coragem, determinação, enfim é um momento de encerramento de um conflito e eles, os personagens, estão na iminência da autodestruição. Seus rostos que nos sensibilizam, nos arrebatam, nos provocam, nos desestabilizam enfim, para usar uma expressão cara os nossos tempos, nos tira da zona de conforto. Sobre afecção/primeiro plano/rosto e imagem-afecção é o primeiro plano e o primeiro plano é o rosto e Deleuze assim conceitua

É este conjunto de uma unidade refletora imóvel e de movimentos intensos expressivos que constituem o afeto. Mas não é a mesma coisa que um Rosto em pessoa? o rosto é esta placa nervosa porta-órgãos que sacrificou o essencial e sua mobilidade global e que recolhe ou exprime ao ar livre todo tipo de pequenos movimentos locais que o resto do corpo mantém comumente soterrados. (DELEUZE, 1983. p. NC)

Entretanto em outro momento ele mesmo vai afirmar que o rosto, em primeiro plano, não isola o corpo da diegese, torna-se a síntese de todas emoções, afecções

Tal espaço conserva o poder de refletir a luz, mas adquire também um outro poder, que é o de refratá-la, desviando os raios que o atravessam. O rosto que se posta nesse espaço, reflete, portanto, uma parte da luz, mas refrata uma outra parte. De reflexivo, torna-se intensivo. (DELEUZE, 1983. p. NC)

O filósofo aqui nos lembra desse rosto que consegue traduzir e provocar afecções de sensações diferentes sem perder nenhuma das duas ou mais que possa apresentar.

Contradizendo a respeito do primeiro plano, que é um deslocamento da visão da totalidade, Deleuze toma emprestado as palavras de Bela Balázs

Como Balázs já mostrava com muita precisão, em primeiro plano não arranca de modo nenhum seu objeto de um conjunto do qual faria parte, do qual seria uma parte, mas sim o que é completamente diferente o abstrato de todas as coordenadas espaços temporais, estiver, ao estado de entidade. (DELEUZE, 1983. p. NC)

Quem vê um rosto em primeiro plano em Na Terra do Sol tem a certeza do que rodeia esse corpo do qual esse rosto faz parte, do universo social, do universo da luta, seja ela a própria guerra, seja contra sede, de qualquer tipo ou necessidade, seja contra todas as intempéries que aquela situação promove.

Na Terra do Sol é um filme em curta-metragem, mas nem por isso deixa de permitir ao analista explorar uma riqueza de usos e recursos cinematográficos. Fizemos uso somente do primeiro plano e profundidade de campo, mas outros elementos como o som, a cor são muito presentes e fundamentais para a diegese, entretanto, para fins de exploração concentramos somente naquele recurso, mas os demais poderão ser inseridos em estudos posteriores.

Deleuze traz a relação dos seis tipos de imagens sensíveis aparentes, a imagem-percepção, a imagem-afecção, a imagem-pulsão (intermediária entre a infecção e ação), a imagem-ação, a imagem-reflexão entre (intermediária entre a ação e a relação), a imagem-relação os quais relaciona a rostos como, por exemplo, rosto intensivo, rosto reflexão, rosto estriado, rosto vaporoso, entre outros os quais, dentre estes e outros não citados, podendo ser vistos no nosso filme aqui em análise. (DELEUZE, 2005. p. 46 cap. 2)

Após rever, somente para a confecção desse texto, pela 3ª vez, elencamos os primeiros planos e alguns primeiríssimos planos, quando a câmera destaca uma parte do rosto, de um objeto, enfim, fixa o nosso olhar em um detalhe. A ordem de exposição dos frames será por personagem, a fim de que tenhamos uma linha evolutiva deles. Vamos nomeá-los, os humanos, como sertanejo1, o homem de chapéu de couro; sertanejo 2, o sertanejo com o olho ferido; sertanejo idoso e sertanejo menino; soldado; o mandacaru, a cabaça, os escombros, a indígena, a santa e a rezadeira.


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