domingo, 14 de junho de 2020




Qual a representação da mulher no Cinema Nacional em Parahyba Mulher Macho, Eternamente Pagu e Cabra Carcado para Morrer?

A cultura, em seu sentido amplo, sempre guiada pelo homem branco, e com o Cinema não foi diferente, o que se constata, tanto por Alômia Abrantes da Silva em capítulo de sua tese, intitulado, Anayde Beiriz e a (re)invenção da “mulher macho”, como em outras diversas pesquisas e até mesmo pelo contato que temos com as produções como em uma simples leitura da ficha técnica dos filmes. A hegemonia branca masculina na produção, direção e atuação, do Cinema em todo o mundo, particularmente no Brasil, como me referi acima, confirma essa maioria que destaca somente o quantitativo de diretoras, 03(três), frente a um universo de 87(oitenta e sete) diretores, como podemos ver na referência indicada acima neste parágrafo.
A partir desse minúsculo exemplo outra pergunta surge, é possível fazer a representação da mulher no Cinema já que ela não existe? Assim nos provoca nosso interlocutor e professor Hamílcar.
Se consideramos a segunda pergunta dentro o que vimos nos filmes vistos e destacados aqui, sem pestanejar, nossa resposta é afirmativa. Primeiro pelo título – temos dois termos femininos no primeiro e um substantivo próprio no segundo. O terceiro derruba nossa tese, mas ela é reerguida a partir da sinopse, cujo destaque, cento da narrativa, é uma mulher. O fortalecimento para nossa tese afirmativa também se confirma quando temos nos dois primeiros, na direção, uma mulher.
O que une as três películas é a centralidade do debate, da narrativa, em torno da liberdade feminina, do ser mulher no mundo, dominado pelos homens brancos. Algumas outras identidades unem duas películas em torno de um outro elemento, a saber: o primeiro, EP e PMM, as protagonistas são contemporâneas entre si, escritoras e livres do ponto de vista sexual e do relacionamento amoroso e social; em PMM e CMM, ocorrem no Estado da Paraíba e ambas protagonistas envolvidas com a Política. Entretanto eis que elas demonstram seus protagonismos, com um diferencial, o mote para a realização do terceiro filme, daqui em diante CMM, é o da documentação da vida de um líder camponês no interior da Paraíba, mas com o assassinato dele, a viúva ganha o destaque e ascende como mulher e não somente como viúva.
A seguir alguns comentários particulares para cada filme:
Em EP, mesmo sendo desconhecida do público, inclusive o dito intelectual, vê-se problemas que foram causados pelos próprios atores, afinal estamos vendo um filme sobre uma pessoa que viveu intensamente seu tempo de modo atemporal, sendo mulher em um mundo masculino. Uma pessoa que produziu intelectualmente, amou livremente, atuou politicamente, portanto, marcou o seu lugar no tempo e na História, com suas histórias, com seus papeis, reais.
Começando pela atriz principal que interpreta a protagonista, uma personagem que não correspondia ao histórico, nem da interpretada, muito menos da figura real. Seu semblante era praticamente o mesmo, inclusive em momento que alternava dor e alegria. Este foi o maior responsável pelo fracasso do filme, fato do qual não era merecedora a diretora, antes uma das maiores atrizes do Brasil e do mundo, mas acabou escolhendo mal “sua Pagu”. O saldo positivo foram as atrizes que interpretam Tarsila do Amaral e a irmã de Pagu, Sidéria. Esta atriz é quem deveria ser a protagonista, dentre aquelas que aparecem na película, afinal é despojada e quando ri, chora, entristece, alegra-se, marca com profundidade cada destes sentimentos como requer uma “interpretação”.
PMM tivemos um ambiente contrário ao de EP, atores e atrizes despojados, “encarnando” seus personagens, sendo seus sujeitos históricos, isto é, emocionando a plateia com suas performances.
Se o que sabemos, pouco do mesmo modo que Pagu, a respeito de Anayde Beiriz, tivemos uma atriz que personificou uma mulher livre, independente e produtiva. Cuja coragem e destemor ficaram latentes em cada momento da narrativa fílmica. Nos mesmos filmes também tivemos homens que gravitavam em torno da protagonista, atuando diretamente ou não às mulheres, nos fizeram viver aquele tempo histórico via representação.
Anayde foi estudante, Anayde foi mulher, Anayde foi escritora, Anayde foi amante, Anayde foi trabalhadora, Anayde foi professora. Mas Anayde não foi filha, Anayde não foi vizinha, “circunstâncias” que mereciam algum destaque na narrativa em face de seu comportamento atípico, historicamente falando.
E o que temos e o que vivemos em CMM? Diferentemente dos dois filmes anteriores, sobre a motivação e os modos da produção, temos um documentário que nasceu inicialmente pelo acaso, em seguida, na sua elaboração, interrompido pelo Estado Brasileiro, e retomado 17(dezessete) anos após a sua interrupção.
Como apontado inicialmente acima, o documentário teve como primeira motivação o registro da vida de João Pedro Teixeira, líder de lavradores e da politização desses mesmos atores sociais, no município de Sapé, zona da mata paraibana. Por que o acaso levou o documentarista a registrar esta situação? Ele e sua equipe estavam em caravana com lideranças culturais da UNE a fim de implantar núcleos dessa entidade em diversos pontos, quando souberam do assassinato do líder dos trabalhadores rurais.
Ao tomarem conhecimento do histórico das lutas daquele povo, e das circunstâncias do assassinato, 03 (três) anos depois com nova equipe aportou no interior da Paraíba a fim de iniciar as filmagens do documentário. Eduardo Coutinho aporta na Fazenda Galileia para registrar o cotidiano daquele povo e, principalmente, reconstruir representativamente a história de João Teixeira e os sindicalizados. É nesse contexto que surge a força de uma mulher, uma mulher de fibra, mesmo que em fuga dos seus algozes, a senhora Elisabete Teixeira, viúva do nosso cabra marcado, o João Teixeira.
Por que a fuga? Com o golpe civil-militar no qual todos esses atores sociais estavam envolvidos contemporaneamente, qualquer pessoa poderia ser considerada inimiga do novo governo e aqueles e aquelas que se organizavam em sindicatos e afins, eram definitivamente inimigos da pátria. Desse modo, ou a prisão, quase sempre seguida de morte nos porões da Ditadura, ou a fuga. Esta segunda opção foi abraçada por Elisabete, deixando para trás 09(nove)filhos.
Localizada por Coutinho 17(dezessete) anos depois, temos não mais a viúva, somente, mas uma líder comunitária, mesmo com outras ações, tornara-se professora em sua própria casa. Com a entrevista foram sendo reveladas suas facetas de companheira daquele líder, não somente esposa, mas parceira de luta. Rebelde com a família, pois casara-se a contragosto do pai.
Em todos os momentos sua fala revelava sua fortaleza e esclarecimento sempre em ascensão, a despeito de ter somente o 2º ano primário. Não agradeceu ao Presidente da República pelo início da abertura política, afinal sempre destacou que a luta precisava continuar, pois os motivos ainda continuavam: opressão, analfabetismo, latifúndio e todos os males que as diferenças sociais causaram e ainda causam à Nação.

Retomando as inquietações provocativas dos questionamentos do início do texto, podemos observar nos filmes vistos nesta semana que tivemos mulheres representadas no sentido de pessoas sujeitas de sua própria história, a despeito da sociedade masculina em todas as narrativas, mulheres em seus mais diversos papeis sociais: poeta, agitadora cultural, professora, líder sindical. Entretanto no conjunto fílmico desta nossa jornada, a mulher não existe, uma vez que o olhar é masculino e branco, escolarizado ou não, na maioria absoluta das películas.


2 comentários:

  1. Ótima análise sobre a presença e
    a importância do papel da Mulher no Cinema Brasileiro. Ainda há muito para avançarmos no que diz respeito ao protagonismo feminino, não só na cinematografia, mas em todos os espaços. Sabemos o quanto o poder do patriarcado ainda é predominante, por isso a necessidade da discussão e a importância de que ela não seja feita apenas por mulheres, mas também por homens que tenham consciência de que nós, Mulheres, somos tão potentes quanto eles!

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, Tinoca. Mas quando puder ver um dos filmes, com ou sem o debate com as outras convidadas, Andreia Reis e Carina, agradeço ainda mais.

    ResponderExcluir